"Chumbo", de Matthias Lehmann: leitura obrigatória para entender os 60 anos do Golpe

Pra você que não é cagão e não tem medo - aliás, tem necessidade - de lembrar que nossa História não é feita de samba, carnavais e harmonia racial, mas de sangue, funerais e desigualdade social, uma excelente maneira de não deixar passar em branco os 60 anos de implantação de uma das nossas ditaduras mais cruéis e mentirosas é ler a recém lançada HQ/Grafic Novel "Chumbo", de Matthias Lehmann, da Nemo! 

Vale quanto pesa: 368 páginas de um épico que acompanha, por 64 anos, uma família de um jornalista e escritor - daquela turma mineira que vivenciou e registrou os anos 1960 a 1980 com reportagens, crônicas e resistências, às vezes sutil, às vezes não. E tão importante quando a sua trajetória é o seu entorno, contando a história do Brasil pelas causas e consequências da ditadura que se estabeleceu por 21 anos. 
É uma espécie de Dois Irmãos, de Milton Hatoum (que também tem uma excelente versão HQ pelos premiados Fábio Moon e Gabriel Sá), onde irmãos estão em lados opostos. Os fatos reais chocantes lá estão, na sua crueza, como a aula ao vivo de métodos torturas para empresários sádicos, usando prisioneiros e dentro do DOPS de Belo Horizonte. Aliás, quem assistiu "Vale o Escrito", série da Globoplay que conta a história do jogo do bicho, vai ver Belo Horizonte teve sua própria versão, aqui sendo mais uma consequência nefasta da ditadura.
Mas há também espaço para o amor, sensualidade e sexualidade, amizade e fraternidade. Afinal, nem mesma uma ditadura é capaz de destruir tudo. É uma história para todos, mas para quem gosta de Belo Horizonte é cheia de easter eggs (aproveitando a Páscoa, por sinal): a cidade de ontem é desenhada em detalhes tão grandes que as memórias emotivas vão saltando. Se é então jornalista, como eu, vai reconhecendo aqui e ali personagens que não são midiáticos, mas fizeram parte da vida jornalística da cidade, como o saudoso Prof. Mendonça.

"Chumbo" é também cheio de curiosidades. Acredita que ele teve que ser traduzido do francês? Aliás, excelente trabalho de Fernando Scheibe e Bruno Castro que colocaram o mineirês de forma divertida e verdadeira. Martthias Lehmann é francês, mas sabe tanto de BH de tanto frequentar os botecos nas suas férias com a família nos anos 2000 (sim, o livro tem forte conotação biográfica). Mas é óbvio que estudou muito a Belo Horizonte antiga, dada a qualidade e precisão dos seus desenhos.

Enfim, leitura imperdível, cheia de surpresa literárias e gráficas, além de uma aula de História. Para parar de passar pano e começar a dar valor a nossa História como ela foi, e não como se gostaria que ela tivesse sido.

Em todas as livrarias!

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