A tecnologia que nos arrasta para trás!

Não é só com você: tecnologia deixou de facilitar nossa vida. Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

 Eu já desconfiava, mas agora o Tim Harford me deu a certeza que eu esperava. Não é mais impressão, a tecnologia está mesmo nos fazendo regredir em nossa produtividade. É por isso que tenho a impressão que estou trabalhando muito mais e rendendo muito menos. Acontece contigo? O articulista lembra que um dos problemas é que ficamos generalistas em nossos escritórios, em qualquer lugar que ele esteja. É verdade, olhe quantas 'profissões' eu assumo durante apenas um dia: eu faço todo o trabalho do banco (bancário), administro uma planilha de custos (economista), gravo teleaulas (videomaker), gerencio minhas redes sociais (publicitário), preencho minha declaração de renda (contador), fiscalizo como meu filho está estudando (pedagogo), faço uma videoconferência com meu terapeuta (TI), encomendo produtos na internet (logístico), dou notícia do que está acontecendo à minha família (jornalista) e o meu preferido: programo meu power point para fazer meus slides (infografista). Embora eu tenha ciência que a minha única especialidade que relativamente domino é escrever e planejar aulas! Mas faço tudo isso aí de cima usando tecnologia e, até Tim me despertar, o fazia com consciência pesada por fazer tudo, mas nada direito. Ele acabou comigo, e me salvou, quando escreveu: "em vez de aumentar a produtividade, essas ferramentas tentam pessoas altamente treinadas a perder tempo fazendo slides ruins". Pow!

 Pois é, o articulista de Oxford e Financial Times, em artigo traduzido pela Folha de S. Paulo matou a charada: durante milênios desenvolvemos tecnologia para trabalhar menos e pensar mais. Pois bem, como numa inversão magnética catastrófica, o trem está andando para trás. Recomendo fortemente a leitura do artigo. Dá até vontade de só copiar e colar, tal o nível de informação que Tim traz. Mas, para aqueles que não têm acesso e para os resilientes leitores deste escriba, vão algumas ponderações sintéticas e contextuais. A primeira é resgatarmos que a Humanidade, de fato, só passou para a primeira divisão do planeta quando desenvolveu tecnologia - o entendimento do uso da técnica com o estudo dela, coladinhos. Porque técnica o João de Barro também tem, mas nunca abriu um instituto de desenvolvimento arquitetônico e urbanístico para reproduzir o seu conhecimento e desenvolver novos designers.

E que a tecnologia também andou colada com a especialização cada vez mais especializada dos seres humanos (basta lembrar que, outro dia, fui a um médico de ombro e ele não quis me atender sobre uma dor na mão - ou seja, o cara é especialista em apenas uma parte do membro superior!). Românticos antropólogos se queixam desse movimento, ao dizer que os caçadores-coletores trabalhavam menos, tinham muito mais conhecimento do que nós (tinham que entender de meteorologia à engenharia de alimentos, além de todas as especialidades médicas, nem que fosse um pouquinho só de cada) e eram mais dedicados uns aos outros, pois a sobrevivência dependia da coesão do grupo. E que a divisão de classe era quase inexistente. Portanto, até seria mais felizes. Respeito a visão, mas não sei o que seria de mim sem Netflix e frango assado de televisão de cachorro. Não sou competente para caçar aves nas estepes e menos ainda para olhar sombras no fundo da caverna e achar divertido.

Nos especializarmos nos tornou ainda mais dependentes um dos outros - e abriu as portas do inferno para a opressão. Aqueles especializados em violência, por exemplo, submeteram todos os outros às suas vontades. Por outro lado, aqueles que detinham algum conhecimento intelectual conseguiam - de tempos em tempos - se sobreporem e influenciarem os especialistas em armas. E assim caminhou a Humanidade. Mas, como muitos mais trancos e barrancos, continuamos fazendo tecnologia, criando mais e mais tribos especializadas, e resolvendo problemas fatais para a nossa espécie, como fome, guerras, doenças, controle da natureza, obscurantismos, entre outras. Ainda temos vexatórios exemplos por todo o planeta, mas é inegável que em número muito menor do que no passado.

O trabalho seguiu a toada e para quem trabalha hoje 44 horas semanal é impensável que isso poderia ser uma jornada comum para se cumprir em três ou quatro dias a pouco mais de um século atrás. E que vários países já diminuíram essa carga, e, com a tecnologia, a tendência é ainda mais. Como isso, se só aumentou a população? Porque nos especializamos e não preciso caçar minha galinha e nem andar alguns quilômetros para ir a um circo. Há quem faz isso para mim com muito mais rapidez e eficácia utilizando-se de tecnologia.

O problema - evidenciado pela pandemia, mas que já rolava antes - é que a tecnologia não mais está jogando a favor da Humanidade. E nem estou escrevendo sobre perdas de empregos, pois essa é uma discussão antiga e que, em cada grande revolução tecnológica, aconteceu o mesmo. Mas, nas ocasiões anteriores, haviam ganhos em seguida, como a já citada diminuição da carga de trabalho. O operário ralava 12 horas na sua especializada linha de produção, mas não tinha mais que caçar o seu frango, pois o granjeiro especialista na esquina o fazia por ele.

O que Tim Harford nos aponta é que houve uma 'reversão no relógio de produtividade'. Ele lembra que Adam Smith, no famoso 'Riqueza das Nações', a bíblia dos liberais (embora eu, particularmente, acredite que não era a sua intenção), nos mostrava que a divisão do trabalho aumenta a produtividade, porque os trabalhadores adquirem foco: aperfeiçoam suas próprias técnicas e equipamentos e não se distraem com outras atividades (claro, criam também uma dependência que é favorável ao detentor dos meios de produção). Mas uma parte considerável da população mundial teve ganhos em saúde, educação, cultura nunca antes na nossa história, simplesmente porque trabalhamos menos, fazendo a tecnologia fazer o trabalho braçal e sujo, e tivemos mais tempo para pensar (precisamos aperfeiçoar mais essa última, até para que construamos mais iniciativas para ampliar a tal 'parte considerável da população' e não deixar ninguém para trás).

Veja se não é isso que estamos perdendo: não desenvolvo mais técnica nenhuma no meu trabalho, espero que um software faça isso por mim, que seja a tradução de um texto ou a criação de uma peça gráfica. E perdemos completamente o foco, com inúmeras telas abertas, tanto no computador, quando no celular. E dai-lhe ver quem chamou no WhatsApp, se chegou email, qual a última notícia no nosso portal preferido, enquanto aguardo carregar a página, vou dar continuidade aquele plano de trabalho, enquanto salva o plano de trabalho, vou tentar marcar uma consulta, enquanto toca o telefone dou uma olhadinha no Facebook... Com o home office (que, reafirmo, já era intenso antes da pandemia), a dispersão só amplia: ver tarefa do filho, lavar a louça do almoço, pagamento do boleto da bancada, pulinho na geladeira,  fazer uma cutícula... Como muito bem diz o Tim: tudo vira "um borrão colorido de atividades que se misturam umas às outras".

Não há mesmo saúde mental que aguenta essa regressão. Já tem muito tempo que deixamos de ser generalistas para voltar a participar desse filme de novo. E não é essa a sensação que estamos tendo? Que se eu não souber um pouco de tudo - e ter conhecimento suficiente, inclusive, para palpitar sobre - estou fora do meu tempo e, portanto, a irrelevância me atingirá em cheio - o que vem seguida de desemprego, oportunidades, falta de autoestima, angústias e sofrimentos. Mas Tim Harford também é um otimista - opa, #tamojunto, mesmo que desconfiado - e dá um belo palpite para nos ajudar, e quero muito que vire mantra! De fato, ninguém precisa ser um Chaplin em Tempos Modernos e ser engolido por uma nova linha de produção, mas temos que quebrar essa dependência de ver o mundo e nossa vida pelas janelas abertas no computador, celular, smarttvs, que nos faz ficar girando um looping enlouquecedor. "Meu próprio ideal é o que chamo de "multitarefas em câmera lenta": ter diversos projetos em progresso, permitindo que eles se fertilizem mutualmente. Mas fazer uma coisa de cada fez". Pow!

Comentários

  1. Meu caro Cláudio, o ócio, enquanto processo, também é criativo. A contemplação da realidade natural, não virtual, é inspiradora.

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