Para o futebol, TV é campo, não bilheteria: os times brasileiros negociam mal os direitos de imagem


Multinacionais só estampam camisas de campeonatos exibidos em diversos países. O que não é o caso do Brasil, que gosta mesmo é de um mercadinho de esquina. Crédito: Pixabay CC0 Public Domain

Uma final de um confuso esporte que só existe em um país, tem o mais caro comercial do mundo e é assistido em mais de 170 países. O campeonato de futebol da Bélgica é transmitido para o Brasil. E os jogos dos penta campeões do mundo sequer são transmitidos na América Latina. Para fechar a fatura do amadorismo futebolístico, os cartolas ficam fazendo leilão com as emissoras para ver quem paga mais para dar lucro à TV Globo.

Tudo errado! Como vimos anteriormente, a final do campeonato norte-americano, daquele futebol com as mãos, é um espetáculo síntese do que é fazer TV. Não deixa de ser impressionante como um esporte local (sim, não é mais do que isso, ainda mais se comparado com o futebol de verdade, super popular por todo o planeta), atrai tanta audiência e tanta grana. Mas não é surpreendente. Isso se chama profissionalismo e visão do negócio.

Primeiro: não tem essa de leilão de emissoras. Há um rodízio de transmissão, mas sem traumas, haja vista que todos sabem que o negócio principal não é a transmissão em si (as emissoras, inclusive, liberam o sinal pela internet), mas o que se gera em torno do evento, tanto local como internacionalmente.

Enquanto isso, no Brasil, os times querem arrancar o máximo de grana das emissoras, quando o certo seria arrancar o máximo de dinheiro dos patrocinadores. Mas quais são os nossos principais patrocinadores? No campeonato belga (e nos demais), boa parte são de empresas multinacionais. Já o Atlético e o Cruzeiro ficaram um bom tempo tendo como um importante patrocinador um supermercado que só tem em Belo Horizonte! Olha a ironia da coisa: um esporte local tem uma final com repercussão por todo o mundo. Já o campeonato do maior campeão do esporte mais popular do planeta é puramente local. Portanto, tá certo! Quem quer patrocinar algo que só será visto na vizinhança? Então, nada mais natural do que ter o patrocínio do supermercado da esquina!

Ao invés de ficarem leiloando o valor da transmissão, os times tinham que fazer como os belgas: não importa muito quanto vocês, emissoras, me pagam, desde que distribuam os jogos pelas TVs em torno do mundo! Afinal, o negócio do futebol é patrocínio do time e venda de jogadores. Se o Atlético estiver sendo visto pela América Latina, Europa e no milionário mercado asiático, sua camisa será um outdoor planetário e não um panfleto de sinal de trânsito. Os seus jogadores serão vistos e desejados por quem o viu atuando, em real situação de jogo, e não por DVD.

Essa política imediatista e amadora impregna o futebol brasileiro e sua relação com a TV, de cima embaixo. Para ilustrar, dois casinhos bem provincianos: quando coordenava a TV educativa em Ouro Preto/MG, tivemos a ideia de transmitir alguns jogos do campeonato local, lembrando que a cidade não tem nenhuma equipe de destaque, portanto, seu torneio é restrito e os times, bem amadores. Além disso, quase não tinha público. A equipe da emissora estava animada, pois, sem fins lucrativos e foco sociocultural, o desejo era popularizar o campeonato local e valorizar as equipes, até para que eles pudessem conseguir visibilidade e, consequentemente, patrocínios para as camisas e para as placas do estádio, administrado pela liga. E, claro, também atrair audiência para a TV, estabelecendo um laço com o telespectador padrão das emissoras comerciais. No entanto, a ideia quase foi por água abaixo, porque as equipes queriam o tal "direito de imagem" que tanto ouviam falar! Ou seja, queria dinheiro de uma emissora que vivia de orçamento de uma fundação filantrópica e queria exibir o que estava escondido!

O outro caso é ainda mais grave: o Santa Cruz é um time muito popular em Pernambuco, mas estava na quarta divisão do futebol brasileiro. Nenhuma emissora comercial se interessava pela transmissão de seus jogos, contra times inexpressivos. A TV universitária local, pelos mesmos motivos que a gente em Ouro Preto, se ofereceu para transmitir um jogo. Bombou e foi um pique de audiência que rivalizou com a novela da Globo, exibida na mesma hora. Jogo seguinte, a Globo comprou os tais direitos de imagem por R$ 50 mil. E não transmitiu mais nenhuma partida!

A Globo é que é má? Bom, um pouco, mas ela apenas protegeu seus interesses, como faz agora, inclusive sacrificando os torcedores nos jogos no indecente horário das 22 horas. O problema, no entanto, é a visão pequena e imediatista da diretoria do Santa Cruz, dos amadores de Ouro Preto, do Flamengo, Corinthians, Atlético, Cruzeiro... Ao invés de pensar a TV como campo, pensam como bilheteria.

Assim, é difícil fugir da tentação paternalista de exigir algum tipo de intervenção estatal nesse negócio. Porque ficar só a mercê dos interesses da Globo (e outras emissoras) e da visão imediatista dos cartolas é condenar a atividade social da prática do futebol a um balcão canibalista, onde audiência brasileira para o futebol norte-americano e belga, e um 7 X 1 para Alemanha, sejam apenas algo natural. Quando, definitivamente, não o é.

O risco de uma intervenção estatal é que não se sabe o que pode acontecer. Na Argentina, a estatização do futebol foi uma ótima maneira de popularizar a implantação da TV Digital, aberta e gratuita, de quebra devolvendo as transmissões do popular esporte para quem não podia pagar por uma TV de assinatura. Mas em Portugal, aconteceu justamente o inverso e os patrícios só podem ver seu campeonato se pagarem. Um raro caso em que a política latino-americana superou a europeia.

Esse devaneio tem muito do amigo Flávio Janone, que me iluminou com o seu livro "O Marketing entra no jogo: resenhas de práticas para empresas e clubes brasileiros", da editora Letramento.
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