Reescrever, editar e remixar na era digital: novos conteúdos?

Natalia Zuazo, cientista política argentina e jornalista
especialista
em Novas Mídias. Foto: arquivo pessoal
Natalia Zuazo
Cientista política argentina e
jornalista especialista em
Novas Mídias
Vale a pena reproduzir esse belo e criterioso artigo de duas pensadoras que estão longe se serem levadas pela empolgação e o ufanismo das novas tecnologias. Mas que são otimistas na entrada (quando será?) da escola nestes novos tempos.

Adoro isso: "se sabemos que os conteúdos, quanto mais breves, melhores possibilidades têm de se infiltrarem nos tempos de interrupção, então, não se trata de evitá-los, mas de ensinar a contextualizar o breve. E como se ensina e se aprende a contextualizar? Em parte, estabelecendo uma relação com outras informações e saberes para dar sentido, para compreender."

Mirta Castedo, especialista argentina em Didática da Leitura e da Escrita, é docente
e pesquisadora
da Universidade
Nacional de La Plata. Foto: Daniela Mac Adden
Mirta Castedo
Especialista argentina em Didática
da Leitura e da Escrita,
é docente e pesquisadora
da Universidade Nacional de La Plata
Os jovens estão, ao mesmo tempo, felizes e perdidos com tantas informações. Nosso papel de educador se modifica (para mim, ele evolui), vira o de uma espécie de 'editor', como defende as autoras. E editar é tudo de bom, tudo que sabemos fazer, e sem a neurose de saber e dominar tudo.

As autoras dão dicas simples para apartarmos essa infrutífera briga entre comunicação e educação, entre professores e TIC.

O artigo sai na Nova Escola e é leitura obrigatória.


Por Natalia Zuazo e Mirta Castelo - Revista Nova Escola - Ed. 260 - Março 2013.

Os historiadores da escrita defendem que ela passou por três grandes fases: manuscrita, livro impresso e eletrônica, cada uma definida por diferentes materiais e instrumentos. Também advertem que cada uma sobrevive ilimitadamente nas seguintes, se adequando a diferentes áreas de uso. Ao mesmo tempo que nascem novas práticas, nada desaparece, tudo se reorganiza.

Portanto, se apresentar as culturas escritas às crianças e aos jovens é fundamental, nos encontramos diante de um desafio: a cultura escrita é diversa. Ela existe de um modo manual, tanto a impressa como a digital. A questão não se reduz a deixar de escrever no papel para fazê-lo no computador. Quando se usam papel ou computador, são mantidos, em parte, os conteúdos a ensinar, mas se impõem novos e isso nos faz reformular o ensino.

Este trabalho retoma um texto publicado e disponível na internet1 e traz novos exemplos e reflexões, centrados na leitura e na escrita nos meios de comunicação na prática de cultura letrada e cidadã. Ele não pretende dar um panorama completo dos saberes atuais sobre as práticas com computadores. Para isso, recorra ao artigo de Delia Lerner A Incorporação das TIC à Aula (2012, p. 23-88).

Para incorporar as tecnologias de informação e comunicação (TIC) à aula, é preciso realizar duas operações: entender profundamente as novas práticas e construir formas de ensiná-las, sem esquecer que também no ensino muito do anterior sobreviverá no novo.

Como em qualquer instituição, nos meios de comunicação se desenvolvem práticas específicas com os textos e elas possibilitam a construção sobre as diversas versões de mundo que a cultura escrita permite2. Em grande parte, as instituições se definem por seus textos e pelo uso particular da linguagem que cada uma desenvolve. Por isso, os textos não têm sentido a não ser no contexto das práticas em que são produzidos e circulam. Talvez a última afirmação possa soar exagerada. Para contra-argumentar, um exemplo:

Recentemente um fato alterou a imprensa argentina: a presidente começou a se encarregar pessoalmente da comunicação por meio das redes sociais. Depois de uma primeira reação criticada por quase todos, ela, ao usar suas redes para falar de política, para provocar discussões em nível nacional sobre determinados temas, para recordar líderes políticos, para fazer anúncios… fez com que todos os meios se dessem conta de que a mudança na comunicação era um espaço a mais (o online) que ela ocupava no mundo da construção e do debate e, mesmo contra a vontade, tiveram de falar dos temas que ela determinava.

Redes sociais
O episódio é útil para pensar o impacto que a internet provoca na relação com a informação: tem a ver com o modo como a acessamos, produzimos, modificamos e buscamos3. Essas novas formas pelas quais transitamos são transcendentes, pois rompemos com a ideia de que só alguns podem produzir, publicar e modificar a informação e acessar o que foi publicado4. A presidente não precisou criar um jornal para fazer com que os demais falassem de outros temas. Bastou saber ler, escrever e operar um meio disponível para as pessoas que têm um aparelho celular e sabem usá-lo.

No mundo digital, o mais importante não são somente os conteúdos digitais5 mas também a reelaboração que se faz com base neles e as experiências que permitem: editar um vídeo com algumas imagens de outros vídeos, escrever um texto para um blog valendo-se de fontes distintas, adicionar notas a vídeos, criar uma biblioteca digital pessoal sobre um tema etc. Reelaborar e experimentar com conteúdos digitais poderia ser explorado como um conteúdo escolar: quando tem sentido e como fazê-lo? Como resolver a questão da citação e da autoria se a fonte se apropria do texto de um site que não cita o autor?

Nessa nova língua, a do remix permanente, poderão dominar mais o meio os que compreenderem como funcionam as plataformas6 e as ferramentas, já que é nos suportes que transcorrem as narrações (por exemplo, ao passar de um suporte a outro: do papel para a internet ou de um site para uma rede) e são as ferramentas postas em ação para realizar essas operações que modificam os conteúdos digitais. O que dos conteúdos digitais deve (por necessidade social) e pode (pelas possibilidades dos alunos de acordo com as condições de ensino) passar a ser conteúdo escolar não é algo que se possa decidir por meio da tecnologia. É por meio de uma política educativa e do progresso coletivo que os educadores podem construir as melhores e mais oportunas formas de comunicar novos saberes.

Não é só saber ler e escrever, mas mexer com a tecnologia? Não. Como revela Manuel Castells (2009), são as práticas de comunicação de massa que se transformaram. Há duas décadas, os meios massivos (o rádio, a televisão e a imprensa escrita) dominavam o panorama da produção-publicação-circulação, a informação era escassa, o tempo dado às notícias era maior e torná-las acessíveis era caro. O controle dos meios sobre a produção de informação desempenhava um papel fundamental. Hoje essas práticas convivem com outras em que sobra informação, o tempo de leitura é menor e fragmentado (o que não quer dizer que ao fim do dia se tenha lido menos - ao contrário) e o custo para publicação e distribuição é menor (podemos publicar uma notícia e distribuí-la em uma rede social).

Com essa modificação do poder de publicação e distribuição, os grandes meios perdem parte do poder e estão acompanhados de outras redes que diversos grupos constroem às margens. A boa notícia é que, quando a informação deixa de funcionar horizontalmente (a partir de um centro, de cima para baixo) e toma a forma da rede (o rizoma de Deleuze), cada margem pode se converter em um novo centro.

Tempo e fragmentação
Voltemos ao problema do tempo e à fragmentação que tanto preocupa a escola. Como assinala Roberto Igarza em Burbujas de Ocio (2009), a distribuição dos tempos de ócio nas grandes cidades está mudando. A vida no trabalho e fora dele, de estudo e de descanso, foi preenchida com pausas. Para as novas gerações, o trabalho e o estudo estão misturados com o entretenimento e o ócio, num mundo de micropausas que coincidem com o tempo de consultar um blog e o Facebook. Essas "bolhas" já não são só para consumir ou acessar, mas para produzir ou distribuir conteúdos breves, como comentários. O desafio que essa mudança apresenta está relacionado ao valor do tempo para produzir, buscar ou consumir informação.

Se os leitores não estão em lugar nenhum, mas em todos, e consomem mais informações do que nunca (fragmentadas e ao longo do dia), talvez existam desafios e muito valor em boas práticas escolares já desenvolvidas. Primeiro, se sabemos que os conteúdos, quanto mais breves, melhores possibilidades têm de se infiltrarem nos tempos de interrupção, então, não se trata de evitá-los, mas de ensinar a contextualizar o breve. E como se ensina e se aprende a contextualizar? Em parte, estabelecendo uma relação com outras informações e saberes para dar sentido, para compreender. Segundo, será indispensável, para a tarefa de contextualização do breve e rápido, contar com outras práticas de leitura, que criem a possibilidade de um conhecimento (não só de informações) que permita pôr cada peça em seu lugar (como vincular um tweet com o que já sabemos sobre a produção petroleira do país porque já estudamos o tema). Terceiro, diante de tanta oferta informativa, dispersa e variada, serão cada vez mais importantes a capacidade de comparar e escolher e a de editar ou encontrar o que tem valor e compartilhar a informação.

Editando também se aprende e se ensina a contextualizar. Há algumas décadas, nós, autores, entregávamos os manuscritos aos editores e o texto passava por várias pessoas que os completavam e transformavam: revisores, ilustradores, editores em sentido estrito etc. Hoje, esses papéis se concentram no autor. Saber escrever é uma prática mais complexa do que foi para as gerações anteriores. Mas, ainda que não se trate de um livro, no papel de editor, contextualizar é cada vez mais relevante. Com isso, nos referimos não só ao que se escreve mas também ao modo como se apresenta, acompanhado de paratextos7. Em uma edição online, eles são tão importantes como os textos centrais porque nas narrações digitais o primeiro contato com uma história não é sempre o mesmo, mas tão distinto quanto os links, referências ou hipertextos que o complementam. Essas referências periféricas, que nos meios de massa "de cima para baixo" eram quase irrelevantes, ou em um diário impresso eram boxes, nos meios digitais são muito importantes. Ou os comentários sobre uma notícia não fazem parte dela? Ou o vídeo de um fato similar ocorrido no passado não revela informações sobre um acontecimento atual? A diferença está na escolha, na hora de editar, para contextualizar, agregar valor ou outro sentido a uma história. Na função de editor, se aprende a contextualizar.

Ainda que tenha de aprender e ensinar conteúdos novos, a escola sempre terá de agregar à prática a necessidade de pensar como algo está dito, admitir que o mundo traduzido em palavras tem versões intencionais e que tem efeitos sobre os outros. E ainda podem explicar os usos da linguagem que geram tais efeitos. A escola cumpre um papel fundamental para trabalhar essa capacidade, que é impossível construir se não se participa de uma comunidade de leitores e escritores digitais e no papel. A escola deve se orientar especialmente por esse propósito de conscientização sobre o poder das palavras e, atualmente, de maneira mais contundente que em outros tempos, do poder das imagens e da combinação de ambas.


1 Culturas escritas y escuela: viejas y nuevas diversidades, de Mirta Castedo e Natalia Zuazo. Revista Iberoamericana de Educación. Número 56/4. RIE digital. ISSN: 1681-5653. www.rieoei.org/deloslectores/ 4843Castedo.pdf.

2 Entrevista com Roger Chartier, Las nuevas tecnologías se acercan al siglo XVI y XVII, por Silvina Friera. www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/espectaculos/17-18286-2010-06-13.  


3 Sobre acesso e busca na escola, ver os capítulos de Flora Perelman e Marina Kriscautzky em Las TIC en la escuela, nuevas herramientas para viejos y nuevos problemas.

4 BARICCO, A. (2008). Los bárbaros. Anagrama.

5 Conteúdo digital: aquele que se publica; um texto, uma canção, uma foto, um vídeo etc.

6 São "plataformas", por exemplo, um tablet, um celular ou um notebook. Também as plataformas de armazenamento e produção como os programas (software) e as máquinas (hardware), sem esquecer a nuvem, a saber, os espaços digitais de armazenamento na internet (como os utilizados por Youtube, Wikipedia, Dropbox, Google…).
 


7 Conjunto dos elementos que acompanham um texto: título, subtítulos, prefácio, indicação de inserção, índice de materias etc. O paratexto estabelece o marco em que se apresenta o texto como forma de comunicação.

Referências bibliográficas
- CASTELLS, M. (2009). Comunicación y poder. Madrid: Alianza Editorial.
- IGARZA, R. (2009). Burbujas de ocio. Buenos Aires: La Crujía Ediciones.

- LERNER, D. (2012). La incorporación de las TIC en el aula. Un desafío para las prácticas escolares de lectura y escritura. In: Las TIC en la escuela, nuevas herramientas para viejos y nuevos problemas. Coords. Daniel Goldin e outros, México: Océano Travesía.
 

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