O Ensino Médio no Brasil faliu!
Pra quê ensino médio se ele cabe no celular? Crédito Pixabay CC0 Public Domain |
Não saberia dizer o que é mais triste: uma vez mais as notas do Ideb (que avalia a qualidade do ensino básico no país) demonstrarem o quanto nossos alunos pouco sabem, ou ninguém ficar exatamente surpreso com isso.
E não há meias palavras: nosso ensino médio é uma porcaria! Não devido aos professores, não devido aos alunos. Trata-se apenas da simples falta de uma política pública nacional que preste e quase um total descaso da sociedade com a temática.
Os dados estão aí e é só procurar na internet. Basta dizer que o ensino médio está estacionado desde 2011 na média 3,7 (numa escala que vai até 10), e a meta para 2015 já eram parcos 4,3. O que você pensaria se seu filho chegasse em casa com um boletim de 4,3, mas com uma medalha do governo de honra ao mérito (afinal, atingiu a meta)?
Aqui apenas o desabafo de professor universitário que escuta e lê muitos outros professores universitários, ao nos unirmos nas choradeiras habituais de como piora a qualidade de cognição dos pobres estudantes que entram no ensino superior.
Na realidade, recebemos, sim, alunos ávidos por conhecimento, mas que não passaram pelo ensino médio. Não o ensino médio pelo qual precisavam passar. O que fizeram foram passar por um cursinho de três anos para fazer Enem.
Como deveria ser? Antes de mais nada, precisaria escutar os jovens, como alguns colegas fazem e pesquisas em educação indicam. Se tirar o concurso do MEC da equação, algo como "se o Enem não existisse, para que serve o ensino médio", boa parte das respostas é algo em torno de "nada". É chato, um monte de conhecimento sem sentido e que, se um dia eles precisassem, é só buscar no Google. Só vale mesmo por conta da rapaziada, do encontro social entre seus pares. Ou seja, só presta fora da sala de aula.
Não é a toa que a evasão escolar no ensino médio no Brasil é uma indecência. A escola não faz sentido para os jovens. Se derrubar tudo e fazer uma praça para os colegas se encontrarem, tá valendo!
Então, o que a escola deveria ser? Exatamente o ponto de encontro (isso já é) onde os conhecimentos e as estruturas cognitivas aprendidas no ensino fundamental fizessem sentido na vida desses jovens (o que não é). Bacana, aprenderam a escrever e a fazer contas, quais as capitais dos estados e a importância da ciência. Agora, o que isso tem a ver com a vida desses jovens? Como eles podem aproveitar o conhecimento para administrar sua biológica e cultural crise de personalidade? Neste momento, onde hormônios e a sociedade lhes exigem uma quebra e um afastamento da sua infância e de sua dependência com os adultos, como podem utilizar do saber para conquistar sua identidade?
Ou seja, quando são instigados a colocar a cabeça para fora da bolsa familiar e social, ao invés de verem horizontes, são socados com mais conteúdos que, efetivamente, só com sorte tem a ver com suas vocações. Sim, jovens nessa idade já têm vocações, já sabem o que querem e gostam, e buscam conhecimento que lhes façam aprender e apreender o que querem e gostam. Certamente, a escola deve oferecer outras coisas que eles devem querer e gostar (respeito a diversidade, à cidadania, por exemplo), mas boa parte desta parte não é mais compostos orgânicos ou datas históricas.
É claro que os professores não tem culpa de nada disso. Recebem uma missão ingrata de empurrar os tais conteúdos nos jovens, dentro das apostilas ou dos currículos que visam, não a vida e a vocação, mas a prova do Enem dos anos passados. Há inúmeros casos de professores que lutam e criam alternativas, mas é sempre pontual e depende mais da dedicação do docente do que de uma política educacional. E ainda sofrem resistência dos pais quando eles não conseguem perceber (o que também não é culpa deles) como aquela visita à uma comunidade ou a um museu pode ajudar na nota do Enem.
Portanto, antes de mais nada, as escolas deveriam esquecer o Enem. Missão difícil, já que os pais iriam brigar feio, afinal, estão 'pagando', senão via imposto, via mensalidade, para que o filho entre na universidade. Aliás, as notas do Ideb fizeram pouca distinção entre qualidade de ensino público e privado. O que existem são ilhas de excelência, e se acham delas tanto em um setor como em outro.
O problema é mais de coragem e um tanto de equívocos sociais. Coragem, tanto das escolas como dos pais, para acreditarem que educação é para vida e não para tirar nota em concurso do MEC. Isso quer dizer que, se a política for uma boa educação (e não a formação de concurseiros), o estudante tem grandes possibilidades de se dar bem. Mesmo que fora da universidade. Mesmo que começando um pouco mais tarde, porque não racionalidade que obrigue a um jovem de 18 anos a definir entre centenas de opções no ensino superior qual ele seguir para a vida toda!
Esse é um desses equívocos importados do século 20, a profissão para vida toda, e começando antes dos 20. Outro equívoco é que, para haver ascensão social, deve-se ter um diploma universitário, separando os 'doutores' da plebe. Essa política equivocada matou os ensinos técnicos e profissionalizantes como uma oportunidade e uma estratégia de aquisição de conhecimento e sentidos para o jovem em entrada para o mercado de trabalho. O clichê era que fazer curso técnico "é pra pobre".
Está provado que um diploma aumenta a empregabilidade e a renda. Mas há alternativas e oportunidades fora dos campi. Temos um hiato enorme de gente formada no ensino superior fora do mercado de trabalho porque simplesmente não sabe colocar mão na massa, ou porque acha indigno de seu diploma fazê-lo. Por outro lado, pena-se para achar profissionais técnicos em todas as áreas.
O ensino técnico deveria ser o da preparação mínima para a entrada no mercado de trabalho, dando condições para que o jovem já inicie sua autonomia financeira e social, mesmo que não exatamente na área onde irá trabalhar futuramente. O que não lhe tira o aspecto de ser o lugar da experimentação das vocações.
Uma das soluções que tem aparecido é as próprias universidades viraram o curso técnico. Ou seja, priorizando o fazer, às vezes em detrimento do saber. Outra solução vem das empresas que, ao que parece, se conformam com a baixa qualidade do ensino médio e treinam por conta própria. A consequência de medidas como essa é deixar ainda mais perdido o jovem que fica sem saber exatamente se está trabalhando ou aprendendo, se deve tomar conta da sua trajetória na universidade ou seguir como no ensino médio, onde um professor irá indicar o caminho que deve seguir.
E dá-lhe alunos no ensino superior com uma postura infantilizada, mais preocupado com lista de chamada, notas e intervalo do que com o conhecimento que irá moldar a sua vida. Não à toa já está virando um clássico pais de universitários irem conversar com professores sobre a nota do filho! Afinal, já que eles, pais e filhos, não puderam vivenciar um ensino médio emancipador - que deveria ser, afinal, a sua principal contribuição - que seja na faculdade. Ou então abandona-se essa ideia de educação formal, já que não faz mesmo sentido.
É triste, muito triste.
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