Os sinos da agonia da TV Digital já dobram em Rio Verde
Rio Verde/GO: primeira com TV Digital e sem interatividade local. Crédito: Prefeitura Municipal |
Quando da implantação da TV Digital na Espanha, fizeram uma pesquisa em uma pequena cidade do interior. Perguntaram o que gostariam de ter com a nova tecnologia. Os pesquisadores pensavam que as respostas girariam em torno de uma melhor imagem e som, catálogo variável de programação, acesso aos serviços públicos. Qual foi a surpresa que a primeira opção foi... acessar os obituários da cidade! Em segundo lugar, gostariam de ter acesso às informações locais e, em terceiro, saber da disponibilidade de quadras esportivas!
Sim, as pessoas queriam saber quem tinha morrido, informações sobre onde seria o velório, a biografia do defunto. Quem conhece um pouco da história do interior do país não estranha a opção, retratada em Sinos da Agonia, do escritor Autran Dourado, onde as igrejas soavam tal notícia. Ou seja, o que as pessoas esperam de uma nova tecnologia é sua inserção local, já que a nacional/global, ou já consegue por outros canais, ou simplesmente não interessa.
Pulo rápido para 2016, transição completa da TV Digital brasileira em sua primeira cidade, Rio Verde, Goiás, também relativamente pequena e no interior, Sai a primeira pesquisa a partir da visão da população, leitura obrigatória para os interessados e os curiosos, graças ao IBOPE e a Revista Teletime: 0% elogiou a interatividade! Ninguém! Claro, não há qualquer serviço que os faça pensar o contrário. A implantação teve igual zero de preocupação local.
Está acontecendo o evitável, se o Brasil fosse sério em suas preocupações sociais, e o inevitável, sabendo a nenhuma relevância que o governo dá a uma política pública de comunicação social. Os dados são suficientes para alarmar, embora não surpreender, quem acreditava que a TV Digital poderia trazer benefícios sociais para a população: neca de interatividade, neca de novos conteúdos, diversidade cultural, favorecimento à cultura e o empreendedorismo regional e local, apoio às políticas sociais do entorno, transparência na política da província. Mas, as imagens são excelentes! Ou seja, viva o circo, mas esqueçam o pão. Se bem que a pesquisa aponta que nem isso...
Atenção, não é falta de uma suposta política social de inclusão! Em Rio Verde, telespectadores do Bolsa Família e Cadastro Único tiveram direito de receber um conversor digital para receber o sinal digital da TV aberta. A pesquisa fez um levantamento exclusivo com esse grupo, certamente na esperança de ver a diferença. A enorme maioria soube do benefício, retirou e instalou o kit. Daí... 68% não tinham ouvido falar dos recursos de interatividade! E os que sabiam, parte significativa nem tentou acessar qualquer serviço. Mas, se perguntados se estão dispostos a acessar informações de programas sociais e responder questionários para o governo, um número significativo disse que sim. E, por mim, acredito que aqueles que disseram, ou não tentaram, estão imbuídos da descrença no processo... Mas há uma clara demanda para interatividade.
Quais os problemas, então? Ora, além da incompetência, ou simplesmente a má fé de comunicar sobre os novos recursos da TV Digital, os "serviços sociais" disponíveis são aqueles nacionais com pouco, ou nenhuma, interação com a realidade de Rio Verde. Na realidade, a impressão que fica é que tais programas, dentro da TV Digital, têm uma função mais de divulgação institucional de uma política de governo do que uma política de Estado. E, claro, sem qualquer cor local.
Fora do universo daqueles que foram beneficiados pelo kit, há outros dados interessantes: 20% se declarou não preparado para receber o sinal digital e, depois de implantado, 37% não julgaram como algo bom, e sim como ruim, indiferente ou não sabiam responder. Em um país onde historicamente a população é entusiasta pelas novidades tecnológicas, mais de um terço não dar bola para as "inovações" me parece alarmante, e o número deve aumentar, já que os entusiastas iniciais vão se acostumando às inovações e entrando nos indiferentes ou reavaliando suas expectativas, e para baixo.
Ao serem perguntados sobre o que acharam do desligamento do sinal analógico, vitória massacrante para a forma: 88% acreditam que o melhor benefício foi a imagem melhor. É aqui que está o 0% do início deste texto, quando ninguém marcou "vai ser possível usar recursos interativos". Mais dois dados contra o local: apenas 4% acredita que a mudança será importante para o desenvolvimento da cidade. E 32% não conseguia mais assistir sua programação local, quase um terço da população.
Quase 30% dos que deram "ruim" para a transição já entenderam o que os portugueses sentiram na pele e responderam que "as pessoas têm que pagar para continuar assistindo TV". Somadas a outras respostas que caracterizam o dispêndio de grana para ver o que antes viam de graça, o número vai para 42%!
Agora pegue-se a população de Rio Verde, pouco mais de 200 mil habitantes, e proporcione para as grandes metrópoles. Quanto representaria, em números de cidadãos, esses 32%, esses 42%, e mesmo esses 4%?
O trágico, ou irônico, dependendo do ponto de vista, é que 38% sequer viram diferença entre o desligamento e a implantação do sinal digital, jogando por terra a falácia da melhoria estética para o telespectador, talvez o único grande argumento que sobrou para os pragmáticos da implantação da TV Digital nua e crua.
Ainda há tempo para se rever as políticas de implantação, mas que reverta também a ideia de que a TV Digital veio para melhorar a imagem da novela, mas para incluir o telespectador brasileiro em sua cidadania. E sem ter que pagar (outra vez) a mais por isso.
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