Reforma na Formação de Professores: oportunidade para Alfabetização da Mídia
Um dos inúmeros cursos disponíveis gratuitamente para ajudar na educação para a mídia |
Joan Ferrés já escreveu há um bom tempo, antes mesmo do crescimento vertiginoso das novas mídias, que estamos criando uma geração de analfabetos... da imagem. Quando a humanidade, em grande medida, resolve o analfabetismo da escrita, ela começa a ler e interpretar o mundo, além de se expressar, não mais pelas letras, mas pelo audiovisual. Ou seja, as crianças aprendem a ler a linguagem que será usada de forma paralela, já que interage com o mundo pelas telas, em uma linguagem que será apreendida de forma intuitiva, autodidata e, por conta disso, enviesada pelo contexto onde se encontra. Voltamos ao maior problema do analfabetismo: quem possui o domínio da ferramenta linguagem, manda, quem não, sofre para se adaptar, quando não é simplesmente oprimido por aqueles que a dominam. Foi assim desde os saltos tecnológicos da pintura, escrita e impressão. Mas não é que há uma grande oportunidade de mudança? Até meados do ano que vem, os cursos de pedagogia e licenciatura têm que mudar seus currículos e é aí que os novos educadores podem mudar essa história.
Há uma série de minúcias sobre essa questão, importantes, mas impossíveis de abordar em pouco espaço. Para nós, basta saber que os cursos de pedagogia e licenciatura têm até junho de 2017 para adaptarem seus currículos para as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), no que tange a formação inicial e a continuada de todos os educadores do ensino básico. Em resumo, o que muda é a ampliação da carga horária voltada para novas práticas: didáticas, de campo e/ou de desenvolvimento da docência. Mesmo no campo teórico, refere-se a novos conhecimentos que, mesmo não ligados diretamente à educação, possam causar e oferecer impacto, como comprovadamente as mídias eletrônicas. Que tal, nessas brechas, os cursos trazerem a mídia para os cursos de pedagogia e licenciatura?
Nas publicações que tenho visto, não vejo essa oportunidade sendo pensada, o que não quer dizer que está descartada. Já há algum tempo, a legislação brasileira da educação tem se preocupado em introduzir as mídias como um conteúdo a ser adequadamente pensado, não só como instrumento pedagógico, mas como objeto de estudo de linguagem e, consequentemente, de análise crítica, inclusive nas suas relações de poder. Melhor, ainda incentiva a sua apropriação e uso não apenas para fazer apresentações em slides, mas como expressão e comunicação social. Infelizmente, essas indicações não têm encontrado respaldo nas grades curriculares de formação de professores que, quando tratam de tecnologia da informação, apenas a vem como instrumento pedagógico – inclusive, parcamente utilizado – ou algo a ser ignorado e temido. Em pleno Séc. XXI, onde os jovens veem, escrevem e leem como nunca – mas fora da educação formal – a mídia ainda é vista como ameaça e antagonismo à escola. Claro, cada vez há mais exceções, e inúmeras louváveis, mas ainda confirmam a regra. Ainda dependem exclusivamente de um educador que enfrenta diversas dificuldades para implantar o letramento audiovisual e midiático na sua escola ou em sua grade curricular.
As novas DCN reforçam que esse quadro deveria mudar e agora não tem mais a desculpa que não tem tempo disponível na grade. Quando fala sobre a formação dos profissionais de magistério para o ensino básico, apela para o ”uso competente das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) para o aprimoramento da prática pedagógica e a ampliação da formação cultural dos(das) professores(as) e estudantes” e “à promoção de espaços para a reflexão crítica sobre as diferentes linguagens e seus processos de construção, disseminação e uso, incorporando-os ao processo pedagógico, com a intenção de possibilitar o desenvolvimento da criticidade e da criatividade”. Embora não esteja explicitada a mídia, me parece óbvio que a principal linguagem utilizada hoje pela humanidade, a audiovisual em interação com o diverso sistema midiático, deveria ser igualmente a principal a ser alvo de reflexão. Mas, para não deixar dúvidas, as diretrizes ainda exigem que, nos conhecidos portfólios dos alunos, deve-se “ relacionar a linguagem dos meios de comunicação à educação, nos processos didático-pedagógicos, demonstrando domínio das tecnologias de informação e comunicação para o desenvolvimento da aprendizagem”.
A temática midiática ainda é reforçada quando os cursos de formação inicial, ao serem divididos em três núcleos, tem, no primeiro deles, uma exigência de articulação com as “áreas específicas e interdisciplinares, e do campo educacional, seus fundamentos e metodologias, e das diversas realidades educacionais”. Embora não vá tratar diretamente da mídia, é inequívoco pensar que duas das suas solicitações complementares têm a ver as principais fontes de informação dos jovens. Afinal, é preciso um ”diagnóstico sobre as necessidades e aspirações dos diferentes segmentos da sociedade relativamente à educação, sendo capaz de identificar diferentes forças e interesses, de captar contradições e de considerá-los nos planos pedagógicos, no ensino e seus processos articulados à aprendizagem, no planejamento e na realização de atividades educativas”. E isso só seria possível se houvesse uma “decodificação e utilização de diferentes linguagens e códigos linguístico-sociais utilizadas pelos estudantes”. É só olhar para uma sala de aula, repleta de alunos com cabeça baixa e olhar refletindo as telas eletrônicas para saber que linguagem social eles estão utilizando... Mas, se ainda não havia ficado claro, ao encerrar as solicitações do terceiro núcleo, é pedido “estudos integradores para enriquecimentoo curricular, compreendendo a participação em(...) atividades de comunicação e expressão visando à aquisição e à apropriação de recursos de linguagem capazes de comunicar, interpretar a realidade estudada e criar conexões com a vida social.”
Os maiores entraves, no entanto, é uma certa falta de conhecimento por parte das escolas formadoras de professores. Há ainda um grande receio de trazer as mídias para as universidades. É compreensível, não é fácil ensinar sobre algo que se desconhece, que historicamente foi colocado como algo ruim para a escola, e onde simplesmente não tem professores especialistas para ministrar uma suposta disciplina do tipo “Mídia e Educação”. Ainda mais fazer com que essa temática seja transdisciplinar. No entanto, são obstáculos fáceis de se superar com um pouco de ousadia.
Hoje existem inúmeros trabalhos, textos, oficinas, publicações de fácil alcance na internet e em ONGs especializadas em educação e comunicação que podem ser adaptados para o contexto da formação dos professores, e posteriormente nas salas de aula para práticas experimentais. Os governo federal e alguns estaduais mantêm algumas políticas públicas pontuais de fácil acesso. Quanto ao professor que irá ministrar, há duas saídas caso não haja, na casa, aquele educador vocacionado para as tecnologias: primeiro, caso a universidade tenha curso de comunicação, busque lá quem possa fazer oficinas ou mesmo ministrar aulas sobre a comunicação. Nesse caso, os próprios alunos ajudam a achar conexões com a educação, sendo, inclusive, um eixo de atividades práticas em sala. A outra opção é mesmo pegar um professor que tenha uma vocação interdisciplinar, que goste e saiba administrar projetos, e o desenvolvimento da disciplina (e/ou da sua transdisciplinaridade) ser ela, por si só, a própria atividade de descobrindo de potencialidades, conexões, descobertas, codificações e decodificações, utilizando as inúmeras experiências neste sentido utilizadas por aí.
O importante seria não perder a oportunidade de trazer para a formação dos professores o que tem formado seus alunos fora da sala de aula: as relações midiáticas entre os sujeitos e seu contexto através dos aparatos tecnológicos audiovisuais.
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