Interatividade na TV Digital: "Opção pelo passado"


 

A interatividade é a redentora da TV brasileira na entrada da era digital. Era assim que pensavam os pensadores há muitas anos atrás quando começamos a pensar sobre a TV Digital no Brasil. 

Seria o diferencial brasileiro em relação a TV Digital norte-americana e europeia. Finalmente esse aparelho manipulador e opressor cultural onipresente nos lares brasileiros (do ponto de vista dos dinossauros acadêmicos dos anos 1970) iria, pela interatividade, incluir o cidadão brasileiro em sua sociedade excludente.

Ops, deu pau! Transcrevo o ótimo editorial de André Mermelstein, publicado na edição impressa de junho de 2105 da revista Tela Viva, publicação que trata seriamente a temática digital (se não a única). André faz um 'estado da arte' da interatividade e a TV Digital e ainda mostra que o que era ruim ainda pode piorar. Não é o caso de descartar a interatividade - ainda é necessária - mas repensar qual deve ser o seu modelo a partir das evoluções e tendências tecnológicas atuais e não do que se tinha em mente no passado.

Opção pelo passado

Por André Mermelstein - Revista Tela Viva - Ano 24 - Ed. 258 - Jun. 2015

Depois de alguns anos em "hibernação", o tema da interatividade na TV aberta voltou à tona.

O Gired, grupo responsável por definir os parâmetros da migração final para a TV digital terrestre, e o subsequente desligamento das transmissões analógicas (switch-off), decidiu pela inclusão do middleware Ginga C nas caixinhas (set-tops) que serão distribuídas aos beneficiários do Bolsa Família.

Em teoria, é uma boa ideia. 14 milhões de famílias receberão uma caixa que permitirá não apenas assistir à TV digital, mas também terão acesso a serviços públicos e comerciais interativos.

Na prática, a história é um pouco diferente. Pra começar, a caixa, a se manter o modelo proposto atualmente, não terá modem, ou seja, não será capaz de transmitir informações, apenas receber dados em "carrossel" (informações que chegam automaticamente e são armazenadas no set-top para consulta). Marcar consultas no SUS ou verificar sua situação no INSS, por exemplo, só será possível caso o usuário adquira um modem e contrate uma conexão de banda larga, fixa ou móvel.

As empresas de telecomunicação, claro, preferiam uma caixa mais simples e barata, uma vez que são elas que cobrirão o custo de transição, em troca das frequências liberadas com a digitalização. Mas, razões financeiras à parte, vale uma reflexão sobre o objetivo da medida em si.

As emissoras de TV nunca se interessaram pela interatividade. Ela funcionou como "argumento de venda" quando se discutiu a implantação da TV digital, mas não houve um esforço concreto em desenvolvê-la, mesmo com a crianção do Ginga, considera, com razão, um feito da engenharia brasileira. O fato é que a interatividade é um problema para as emissoras, porque tira o foco do espectador daquele que para elas é importante: a programação e seus breaks comerciais.

Ainda que o set-top fosse inteiramente funcional, com modem e acesso livre, pode-se questionar sua utilidade. Ou pelo menos, sua atualidade enquanto plataforma de serviços online. Enquanto se discutia a TV interativa, a Internet desenvolveu-se no país, em especial as conexões móveis. A base de usuários de Internet móvel no Brasil subirá de 63 milhões para 83,7 milhões entre 2014 e 2016 segundo a eMarketer. Os smartphones foram quase 94% dos celulares vendidos no Brasil no primeiro trimestre deste ano, cerca de 35% com acesso 4G. Já são 60% da base de aparelhos móveis no país. Sem falar nos tablets, smart TVs etc.

O governo, que deixou de lado a ideia da interatividade por alguns anos, parece ser o único interessado em reanimá-la. Não seria então melhor direcionar estes investimentos para a oferta de um acesso popular à Internet a estas famílias, complementar a programas já existentes nesse sentido? Levar às pessoas que mais precisam uma tecnologia do século XXI, e não um arremedo de interação que, de resto, não existe em mais lugar nenhum? Ou teremos, mais uma vez, cidadãos de segunda classe também no plano digital.

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