TV Séries Escolares: um bom jeito de conhecer a Educação em outros países.

Um gênero de séries de TV que sempre existiu, mas que nem sempre tem um destaque, é aquela ambientada em escolas. Passavam longe das minhas preferidas, porque todas eram ambientadas em High Schools, as escolas norte-americanas, um modelo tão distante da gente que não conseguia criar uma identificação, primeiro, como aluno, depois como educador. Mas, se tem uma coisa que a Netflix tem feito de legal é abrir seu catálogo de produção para obras de outros países, e aí, caramba, tem sido ótimo ver tais séries! É uma maneira divertida, mas também educativa, de ver como os nossos colegas se tão bem, ou muito mal, nas salas de aula em outros países.

Atenção, o convite aqui não é para que possamos ter alguma epifania do tipo 'ah, que legal, vou fazer isso nas minhas aulas'. Considero, de coração, que o professor brasileiro é o mais criativo do mundo, junto com todos os outros de países com pouco incentivo social e financeiro para exercer sua profissão. A cada prêmio ou notícias sobre iniciativas educativas desenvolvidas pelos nossos educadores a partir da carência - porque boa parte dos projetos aplicados é para tentar preencher uma falha de política pública e de infra- estrutura -, vejo o quanto criativo é a comunidade acadêmica nacional. Tenho maior orgulho!

Portanto, o que gosto de ver nas séries são as culturas educacionais de outros países, que, em geral, nem são a principal premissa da produção, centradas mais nas personalidades de seus protagonistas, sendo eles professores ou estudantes. Tanto melhor, porque não estou ali para ver documentário, mas me divertir com as incongruências humanas. Melhor ainda quando estão inseridas intimamente com uma cultura escolar que desconheço, e vou descobrindo justamente no flanar das tais incongruências.

Nessa pandemia zerei as que eu gosto, seguindo a sequência de iniciei no ano passado, com Merlí, série da Catalunha, sobre um professor de filosofia e sua turma de ensino médio. Em seguida, foi Sex Education, inglesa, com a deliciosa premissa de um tímido filho de uma famosa terapeuta sexual que, acidentalmente, vira ele mesmo um consultor sexual dos seus colegas, mesmo sem experiência. Depois, maratonei Rita, uma professora rebelde em uma escola do interior da Dinamarca.

Não me atraio pelas personalidades rebeldes dos professores. Acho até um estereótipo meio babaca, do tipo, só o professor 'rebelde' é que é legal, que é capaz de ter ideias bacanas. Mas sei que esse tipo é necessário para ser o mote das séries. Então, o que gosto mesmo é ver a dinâmica das escolas de outros países e acredito que essa deva ser nosso melhor prazer ao assistir os episódios. De qualquer forma, essas séries já têm um grande diferencial em relação às suas colegas do outro lado do Atlântico. 

Como sabemos, tais séries são uma continuação à filmografia clássica do cinema norte-americano, que foca nas relações entre professores fora do padrão e alunos geralmente rejeitados. Seus principais expoentes são filmes como Ao Mestre, com Carinho, de James Clavell com Sidney Poitier (1967) e A Sociedade dos Poetas Mortos, de Peter Weir com Robin Williams (1990). As centenas de séries norte-americanas que tem as high schools não costumam seguir esse enredo, focam mais, cómica ou dramaticamente, as relações dos jovens, público-alvo das produções. Na maioria das vezes, os professores, ou são retratados como bobalhões, ou como autoritários. E as tramas giram em torno das tradicionais chefes-de-torcida metidas, jogadores de futebol americano brutos, nerds que apanham, consumo enquanto objetivo de vida e sexualidade como fuga. Não dá nem para saber o que esse povo estuda!

Assim, o legal das séries europeias é que, primeiro, desmistificam o professor herói, o pastor que vai trazer as ovelhas desgarradas para o caminho do bem. Como qualquer ser humano que se preze, são professores como a gente, que vai fazer coisas certas e também enormes burradas. Que serão constantemente colocados à prova sobre as suas incongruências, defender algo em sala e se ver a obrigado a ser hipócrita na sua vida, ou mesmo no trato acadêmico. Não é bonito de se ver. Mas quem disse que a vida é bonita de se ver a todo momento? "Chamamos de ética o conjunto de coisas que as pessoas fazem quando todos estão olhando. O conjunto de coisas que as pessoas fazem quando ninguém está olhando chamamos de caráter". Isso também vale para nós, não é, Oscar Wilde? Se queremos nos aproximas das pessoas (alunos, pais etc.), também temos que batalhar para que nos tirem essa imagem sacrossanta, que, atualmente, nos têm mais atrapalhado do que ajudado. Estamos longe de sermos infalíveis, mas somos o que mais perto outro ser humano vai ter para aprender a ser um ser humano. É muito bom ver esse embate, mas também esse crescimento coletivo, professores e estudantes, porque é justamente isso que acontece nas melhores escolas.

Uma segunda coisa legal de se ver é que eles têm problemas tão cabeludos quando nós. Idealizamos que países como Dinamarca, Inglaterra e Espanha já resolveram seus problemas de bullying, infraestrutura de escolas, remuneração e formação de professores, verbas, exclusão social, inclusão de necessidades especiais... Eles têm problemas parecidos com os nossos, assim como alguns distintos, mas há uma essência no ideal de ensinar que conduz os educadores - pelo menos os retratados nas séries - a tentar buscar soluções que visem o crescimento do aluno, de uma forma ou de outra, o que os ajudam também a aprender. Algumas soluções são impensáveis para nós, por conta da cultura e das políticas, e parte delas nem íamos querer mesmo, tal o grau de incômodo que nos traria. Mas outras são um alívio, do tipo, 'cara, é isso que tentamos fazer aqui, e eu achando que era subdesenvolvido'. Mas também podem ter boas ideias, ou, no mínimo, nos fazer pensar. 

Para não dizer que não assisto as séries norte-americanas, sim, e entre elas, Glee, que foca no grupo de coral da escola. Confesso que o meu interesse inicial era mais pelos números musicais (ainda mais que eles gostavam da banda inglesa Queen assim como eu), mas ela acaba por abordar temáticas juvenis, como a exclusão social, a xenofobia e a homofobia, que a tornam menos bobinha. E não sem me deixar com uma grande inveja dessa tradição das high school em estenderem o horário escolar para atividades extraclasse, como o próprio coral, mas também para clubes de leitura, xadrez e mesmo os esportes. Temos pouco a aprender com o sistema educacional norte-americano, mas essa parte bem que poderia nos ajudar a destravar nosso antigo desejo por uma escola integral.

Atualmente, estou dando chance para Professor Iglesias, bobinha, também com o estereótipo de professor fora do padrão, típico sitcom norte-americano, até com claque gravada, mas me atrai por ser uma escola pública que demonstra toda a estupidez dessa estrutura norte-americana que não decide se quer dar bem-estar social ou ser liberal, sem vontade nenhuma de encontrar um meio-termo. Mas estou no início, posso muito bem me decepcionar. Como aconteceu com outras.

Na medida do possível (tempo e grana para assinaturas são alguns dos empecilhos), os professores poderiam colocar na sua agenda assistir alguns episódios. É muito divertido as pessoas falando catalão, inglês, dinamarquês, mas você reconhecendo fielmente um ambiente comum: carteiras, quadro, alunos sentados, professor de pé, e até mesmo o jeito de dar aulas. É bem capaz de, só vendo as cenas, podemos intuir o que está acontecendo. 

Só uma coisa, no entanto, não consigo me identificar: em nenhuma dessas sérias, as salas tinham mais de 25 alunos!! Essa nossa característica de encher as salas de estudantes e exigir dos professores 'foco no aluno' é uma invenção hipócrita, que as políticas públicas parecem exercer com um certo sadismo. Tanto é que as nossas próprias séries escolares, como a imortal Malhação (muito boa, pessoal!) e Segunda Chamada (triste, mas excelente e real) colocam turmas bem menores do que se vê nas salas, tanto públicas como privadas. Aliás, a única escola do mundo da ficção que retratou as nossas salas apinhadas, que eu me lembre, só mesmo a Escolinha do Prof. Raimundo, nos áureos tempos do Chico Anísio. Pois é, mesmo preciso muita criatividade para dar conta da nossa realidade escolar.

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