A pesquisa da comunicação pela hora da morte: um estudo sobre os livros da Intercom 2020

A diversidade está raiz na pesquisa da comunicação brasileira

 A pandemia não parou meus colegas pesquisadores em comunicação. Se publicação de livros pode ser considerado um sinal de produtividade, só na Intercom (principal congresso anual) foram 64 novos volumes, 14% a mais do que no ano anterior. Mas o mais interessante é saber quais as temáticas em que estamos nos envolvendo, porque a gente só busca soluções para o que parecem ser os problemas da atualidade. Fiz um levantamento a partir dos resumos e dos títulos e o que se vê é um campo bem diverso, como deve ser, uma vez que a Comunicação é a prática social que dinamiza todas as relações sociais. Mas nota-se também que a área está preocupada com as novas formas do comunicar por imagens e com as questões sociais que excluem, de diversas maneiras, segmentos sociais já oprimidos em outras dimensões.

A metodologia dessa pequena pesquisa de análise de conteúdo foi dividida em três partes: a primeira, a leitura de cada resumo e a tentativa de encaixar as publicações em temáticas comuns. A segunda foi jogar os resumos em um software de nuvens de palavras para buscar os termos mais repetidos, como feito também com os títulos das publicações na terceira etapa, e, com isso, reparar se era possível reforçar, ou retificar as impressões sobre as temáticas mais abordadas pelos livros.

O Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação - mais conhecido pelo apelido de Intercom - já existe há mais de quatro décadas e reúne, anualmente, milhares de pesquisadores, dos sêniores e consagrados nomes da área, até os estudantes, seus TCCs e projetos experimentais. São dezenas de GTs - Grupos de Trabalhos, milhares de apresentações de artigos, além de cerca de uma dúzia de eventos paralelos. Um deles é o Publicom, onde os pesquisadores lançam suas obras. É um espaço privilegiado, pois é onde se encontram os primeiros e mais interessados públicos-alvo dos livros.

Obviamente, a edição do Intercom de 2020 foi virtual. O isolamento social e epistemológico não diminuiu o ímpeto dos autores, mesmo porque um livro tem uma trajetória de produção e boa parte delas já deviam estar em andamento quando estourou a pandemia. Mas seria injusto só colocar nessa fatura o grande número de publicações. Por outro lado, a mudança editorial onde os autores bancam seus livros com recursos próprios, encontra um mercado de editoras que buscam também agilidade em publicar e, consequentemente, faturar. Ou seja, é um número significativo, mais de 60 obras, que mostra que a turma está a fim de trabalhar e socializar seu trabalho (e sem fins lucrativos, pois raramente paga-se o investimento). E, como veremos, a Covid-19 também deu suas contribuições.

É bom ver que o nome Intercom permanece como uma boa definição do que é a nossa esfera. Intercom remete à ideia de que a comunicação é, antes de uma específica área de conhecimento, um campo interdisciplinar. Como pode-se ver no gráfico, tive grande dificuldade em achar temáticas aglutinadoras, pois as abordagens tinham objetivos de estudos dos mais variados. E isso é muito bom, pois demonstra que temos pesquisadores e profissionais engajados em explorar essa prática humana nas suas mais diversas dimensões.

Mesmo com um gráfico tão colorido, ainda pode-se dar alguns destaques. A produção audiovisual (e aqui estão, principalmente, a televisão e o cinema) foi a temática campeã de publicações, com quase um livro entre cinco editados. Nada mais natural nunca sociedade dominada pelas telas, por mais que tenhamos refluxos românticos ao acreditarmos que a perda da apropriação do mundo pelo texto seja a decadência da Humanidade. Mas, assim como aconteceu da transição entre o oral para o escrito, me parece um caminho sem volta. De fato, é preciso estudar as novas linguagens hegemônicas para que não criemos uma nova elite audiovisual alfabetizada e detentora dos meios de produção de conteúdo, como aconteceu nas transições anteriores.

Mas a boa notícia vem da temática vice-campeã, as obras que pensam a comunicação a partir das questões sociais e culturais que afligem segmentos que já sofrem cotidianamente. Racismo, questões de gênero, construção de identidades e seus aspectos comunicativos foram temas de 11% das publicações. Se somados com outras temáticas adjacentes como mídia e jovens (6%) e uso de TIC na educação (7%) (aqui, separadas, pois são temas com um longo histórico de pesquisa no Brasil, e nas quais tenho particular interesse), são 24%, batendo a temática audiovisual. Como, em grande medida, os comunicadores são sujeitos pragmáticos - e um tanto otimistas - os trabalhos não só elencam a problemática, mas oferecem ótimas soluções para os dilemas. O desafio, no entanto, é a nossa capacidade de todo esse conhecimento sair da academia para a sociedade, em especial para as salas de aula do ensino básico, no meu ponto de vista, lugar prioritário. Nesse sentido, muitas das vezes damos razão ao dito que em casa de ferreiro, o espeto é de pau. Sim, temos enormes dificuldades com a divulgação científica. Por sinal, temática praticamente inexistente nas publicações, como se isso não fosse um problema para a nossa área (quem disse que só tínhamos boas notícias?).

O ano de 2020 também parece já estampar as capas das publicações. Os trabalhos sobre a Covid-19 já apareceram (6%), mesmo com um curto espaço de tempo entre o início da pandemia, os trâmites editoriais e o prazo para o envio para a Publicom. Mas relevantes são as temáticas que já se mostravam necessárias e que o trato que as autoridades deram à disseminação do coronavírus só ampliaram. Daí publicações que lançam um olhar bastante crítico no que vivemos hoje no país, com debates de como a comunicação e democracia estão intimamente interligados (8%) e uma precarização do jornalismo (4%) como um dos sinais de decadência do ideal de uma comunicação social. Como detalhe desta tendência depressiva sobre nossa área, dois livros que tratam especificamente sobre a temática da morte (bruhhh!!! toc, toc, toc)!

Mas é revigorante ver outras temáticas sendo abordadas pelos criativos e entusiasmados colegas: bacana ver o tema do corpo aparecendo, o que faz todo o sentido em uma época onde o imagético ganha espaço sobre o textual. Nosso corpo, nosso primeiro veículo de comunicação. Particularmente, sou apaixonado pela comunicação local - para mim, solução de muitos problemas econômicos de nossa área, inclusive empregatícios. E, como na programação da televisão brasileira, a comida também aparece como uma temática de interesse. Gosto também da temática de consumo, mas podia ser mais, afinal, vivemos inseridos em uma sociedade onde esse é o principal valor social. E, claro, os aficionados do Rádio sempre presentes, não nos deixando esquecer a importância desse ainda fundamental meio de comunicação tradicional. E que tem se reinventado, diga-se de passagem.

Mas ainda acho pouco apenas 11% de trabalhos ligados diretamente a pesquisa e a formação acadêmica, pois ainda temos enormes desafios com e para os nossos alunos. E fico triste que temáticas como meio-ambiente estejam perdendo força. Não consigo me definir se é bom ou ruim os 2% do tema da religião, mas é claro que é sempre bom abordá-la, ainda que cada vez mais as igrejas avançam. Por fim, queria ver mais ficção, mas está bom, por enquanto, os 2%. 

 

Colocado todos os resumos no WordClouds.com, retirando conjunções, artigos e palavras que fugiam a temática, e somadas algumas versões no singular e plural

Quando fazemos a brincadeira de jogar os resumos numa nuvem de palavras, o que se pode destacar é a ideia de pesquisa como principal característica das obras. Ou seja, o campo não tem ficado acomodado, mesmo sofrendo a descapitalização - financeira e moral - orquestrada pelo MEC, no conjunto da desqualificação das demais ciências humanas. O jornalismo tem destaque, talvez por sua maior visibilidade no campo da comunicação, mas talvez também por estar cada vez mais vulnerável (não faltaram obras que decretaram sua falência!). E a preocupação da produção e do profissionalismo. Numa segunda leva, pode apontar algumas saídas como o uso de redes, o estudo do consumo, o repensar da publicidade, veículos tradicionais como o rádio e o investimento na educação. Tudo isso, tendo como grande pano de fundo a força da diversidade.

Metodologia foi a mesma da nuvem anterior

Ao ficarmos apenas com os títulos das publicações - lugar de grande investimento dos autores para escancarar o seu real objetivo - o jornalismo fica ainda mais evidenciado como a grande temática. Mas é muito bom ver o investimento na ideia de experiências, o que mostra um olhar para a frente, a partir da prática anterior, tentando resolver uma das palavras em destaque, os desafios. Afinal, são para isso que as experiências servem. As obras também refletem a pesquisa como atividade em plena atuação pelos comunicólogos, mas também áreas tradicionais como a publicidade e o rádio ainda com muita lenha para queimar. E que os estudos partem de eixos com grande significado, como os sentidos, o olhar científico, os discursos, a cultura.

Dois últimos destaques tétricos: a pandemia contaminou também as publicações e, conforme apontado anteriormente, a palavra morte se faz presente (bruhhh!!! toc, toc, toc).

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