TV Digital: agora vai? Vai, mas não para onde deveria.

Angélica dando adeuzinho à TV Analógica: se agora o foco é o telespectador, significa que a TV Digital vai emplacar? Crédito: divulgação

A Globo tem feito uma grande campanha para que o telespectador seja o agente de mudança da TV Digital.  Será o sinal dos tempos de que agora a mudança ocorrerá? Não no sentido tecnológico, uma vez que é inevitável a troca do sistema analógico pelo digital, dado os interesses comerciais das empresas de telefonia. A dúvida é se esse mudança será para uma TV Digital com avanços sociais como aconteceu na Argentina ou um atraso socioeconômico como aconteceu em Portugal.

Por uma lado, quando vejo a Globo fazendo um enorme investimento para que parta dos telespectadores o desejo de mudança tecnológica, investimento, tanto pelo volume de chamadas como pelo uso de seus artistas, fico pensando que "agora vai". Afinal, se a maior e mais poderosa emissora do país vê que precisa das pessoas para efetivar a mudança - e não somente pelas maquinações políticos-partidários de bastidores  -, é porque viu que a não-mudança lhe será prejudicial. E se uma grande e poderosa empresa percebe que sairá no prejuízo, a tendência é a sua movimentação contrária e, por conta de seu poder, político e econômico, reverter a situação. Que situação? Ora, essa que poucas pessoas estão dando bola para a transição!

Outro ponto em favor da implantação é que, mesmo que trancos e barrancos, o cronograma de desligamento vai indo mais ou menos. Com apenas seis meses de atraso - no Brasil, isso é uma vantagem - a primeira cidade prevista, Rio Verde/GO, já não tem sinal analógico, somente o digital.

Mas param aí os motivos da alegria. Afinal, uma boa teoria da conspiração poderia nos dizer que a Globo tem seus motivos escusos, principalmente porque não vemos nas demais grandes emissoras campanhas no mesmo sentido. O que a Globo ganharia com a digitalização rápida, enfiada pela goela da população brasileira? Ora, das grandes emissoras, somente ela tem capacidade financeira para digitalizar seus sinais por todo o país. As demais geralmente dependem de afiliadas e prefeituras para levar o seu sinal e, todos nós sabemos, a situação financeira de quem vende e de quem arrecada está muito difícil para sair por aí comprando equipamentos caríssimos. Pior, já se percebeu que as primeiras gerações de transmissores não deram conta de levar um sinal robusto, que chegue com qualidade, tanto dentro das casas como para os aparelhos móveis. Antena externa? Esqueça. Pesquisas comprovam que a maioria dos telespectadores usa antenas internas, a conhecida TV Bombril, assim como aumenta a venda de smartphone com TV digital.

Em resumo: se hoje fossem desligadas todas as retransmissoras analógicas do país, provavelmente boa parte da população brasileira, principalmente fora das grandes capitais, só viria a programação da Globo. Acrescenta-se a isso que a emissora platinada está fechando o cerco com a crescente penetração da internet, haja vista o investimento em sua distribuição de conteúdos sob demanda (GloboPlay e cia.). Ou seja, se não puder ver sua programação pela TV Digital, pode ver pela internet.

Não é o caso de condenar a Globo. Ela está fazendo o que toda empresa faz todo dia: procurando e realizando as oportunidades que lhe oferecem, em busca de lucro para remunerar seus acionistas. O problema é: sendo a radiodifusão um serviço público, porque estamos deixando isso acontecer?

A história não acaba aqui. Ainda há mais argumentos para dizer que, realmente, a TV Digital emplaca, mas estamos muito mais próximos de Portugal do que da Argentina. Ou seja, da transição favorecer muito mais as empresas de comercialização de conteúdos, como as TVs pagas e as de VOD (video sob demanda), as conhecidas pelos sobrenome "play", como a citada GloboPlay e suas parentes Sportvplay, Telecineplay, além do Netflix e concorrentes. Lembremos que, nesses caso, paga-se, muitas vezes, duplamente: pela assinatura e pela banda larga.

A excelente reportagem do Samuel Possebon, da Tela Viva, quando do desligamento em Rio Verde, levanta o quanto é preocupante toda essa pressa em dar adeus ao sinal analógico. Tirando informações de sua investigação, dá para ver que:

1) Não foi obedecida a exigência de atingimento do índice de 93% de domicílios com sinal de TV Digital, o que deixou cerca de 30 mil pessoas sem televisão aberta de um dia para o outro. O próprio índice já é um descalabro, simplesmente já dizer que 7% da população não poderá contar um um serviço gratuito somente porque mora em um lugar geologicamente desfavorável. E ainda, não cumprir o mínimo do descalabro;

2) Brasília, próximo desligamento, previsto para outubro de 2016, já se sabe que irá desrespeitar o mesmo índice excludente, o que, proporcionalmente, levará um número muito, mas muito maior de pessoas sem televisão aberta;

3) O discurso sobre Brasília, que prevê o sinal desligado com apenas 85%, mostra que está colando, inclusive com o apoio das emissoras, a conversa fiada de que se pode abaixar o índice se somado àqueles que já contam com sinal digital via satélite e TV a cabo, "esquecendo" que essa é uma opção onerosa ao telespectador, e não gratuita como é a TV analógica. Se eu tiver pagando para ver TV, nunca mais posso optar por tê-la gratuita, em um país onde a gangorra econômica é uma frequência;

4) Nenhuma das sete emissoras com sinal digital em Rio Verde era pública ou educativa. Uma vez mais a opção pública e estatal de radiodifusão, prevista como um direito na Constituição, é ignorada, obrigando ao telespectador goiano assistir somente emissoras comerciais, sem direito ao usufruto das opções de interesse público. Alguém tem dúvida que tal limpeza no espectro das opções sociais - que já eram ínfimas - irá se estender por boa parte da cobertura de TV Digital?

Durante o desligamento de Rio Verde, as autoridades, tanto públicas como privadas, defenderam que o importante era cumprir o prazo e que acabaram as exceções, e que a TV Digital será como a implantação da TV a cores, implacável, gradual e indolor. Acredite quem quiser. A Globo, ao que parece, não está acreditando. E isso é muito mais que um alerta!

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