Crianças que não brincam estão indo ao fisioterapeuta. Adivinhem de quem é a culpa?

Qual a última vez que vocês foram numa praça? Crédito: CC0 Public Domain

Na capa de um jornal a machete alerta: "Sem brincadeiras ao ar livre, crianças 'correm' para a fisioterapia." E dá-lhe distribuição de culpas: pais, escolas, violência nas ruas, apartamentos apertados, videogames e tecnologia. De fato, a situação é complexa, mas não nos redime de pensarmos sobre isso e não deixarmos por conta do determinismo ("ah, o mundo hoje é muito complexo"). Há soluções que, no final das contas, podem ser simples.

Vamos aos problemas: de fato, realmente não podemos mais mandar as crianças para as ruas, brincar de esconde-esconde ou empinar pipas. São muitos carros, fios elétricos e pessoas mal intencionadas. De fato, os imóveis são pequenos e raros tem área de lazer adequada, e casas são cada vez mais raras. De fato, os videogames e as demais tecnologias interativas (internet e videos sob demanda) são altamente sedutores e arrastam a atenção da meninada.

E a escola? Bem, essa eu vou deixar de lado. A pobre da escola já é bombardeada de demandas que muitas vezes lhe menosprezam a sua principal e difícil missão de educar para tentar ser uma espécie híbrida de consultório de psicologia e centro comunitário e social. Os coitados dos educadores que se virem para fluir de professores para assistentes sociais e psicólogos de plantão, em boa parte sem uma boa formação em nenhuma das áreas. Portanto, hoje o tema é doméstico, e se a escola puder ajudar, beleza, mas sem empurrar para ela mais esse pepino.

Elencadas as questões, o que podemos fazer? Antes de mais nada, pensar sobre. E pensar sobre é observar em torno. É claro que temos realidades muito diferentes e sei lá se todas essas variáveis são comuns a todas elas. A violência é muito comum nos grandes centros urbanos, mas ainda há muitas cidades do interior, quando não bairros isolados, que ainda podem ter crianças nas ruas, nem que seja num campinho ao lado. Mas isso não tem impedido de se ver crianças grudadas nos celulares ou enfurnadas na frente das telas, mesmo no interior.

Por outro lado, existem muitos parques, bem situados e protegidos nos grandes centros, nem sempre cuidados, mas também nem sempre ocupados.

Apartamentos pequenos não são uma novidade, mas ficar trancado no quarto era só coisa de adolescente em crise, ou como castigo. Hoje, ficar em um cômodo só, por muitas horas, independente do tamanho do apartamento, é uma prática disseminada pela família, não só pela criança.

E, me parece, que a área de lazer não tem feito muita diferença. Moro em um conjunto habitacional de classe média e, da minha janela, vejo amplas áreas de lazer, em grande parte vazias. E pior, raramente vejo um pai jogando bola com um filho, mesmo no fim de semana.

Ok, os pais trabalham demais, querem descansar quando podem. Sem problemas, mesmo porque é o que fazem quando dão de presente celulares e demais aparatos técnicos para que eles possam jogar, conversar, comprar, zoar... tudo isso sem precisar 'encher o saco' do pai/mãe. E ainda é um ótimo instrumento "educativo": se o menino foi mal em alguma coisa, de comportamento até notas na escola, é só tirar por, sei lá, uns 20 minutos, porque a gente precisa descansar!

Só mudamos a babá eletrônica: sai a TV, entra o celular/computador. O resultado é pior, pois a TV, em algumas ocasiões, chegava a ser um eletrodomésticos de uso comum. A tecnologia hoje é mais individualista, por mais 'social' que ela queira parecer.

Não é a questão de condenar, no entanto, os games e a internet. Estudos, prós e contra, já investigaram os efeitos na formação, e ainda não chegaram a uma conclusão. A tecnologia pode ser isolacionista e criar sujeitos desconectados da realidade, mas também ajudam no desenvolvimento cognitivo e abstrato, algo que o ensino médio deixou de fazer já há algum tempo, viciado que está em ENEM.

Então, claro, a solução é sempre o caminho do meio. O que, me parece, vale para tudo na vida. Sem exageros, um pouco de cada. Qualquer obsessão, que seja por jogos, internet ou fã-clube de um artista pop momentâneo, não é bom. Gostar, curtir, compartilhar - inclusive e principalmente com os pais e educadores - os jogos, internet e o fã-clube dão vazão às nossas necessidades de variedade: de situações, de relações, de diversão, de afeto e, por fim, mas não menos, de posturas corporais.

Quando essas necessidades não são atendidas, um mecanismo de alerta faz o corpo reclamar e, daí, entram os fisioterapeutas e demais profissionais da saúde. A prevenção, portanto, é uma só: olhar em torno, ver o que você e seu filho estão fazendo - lembrando que você é a referência principal dele e não adianta pedir para ele sair do videogame se você não desgruda do WhatsApp. Estão variando? Se não, arrumem a casa juntos, vão ao parque, façam uma caminhada, desçam para o play, vão naquele sítio do tio avô. São todas opções mais baratas que o fisioterapeuta.

Criar filhos não é mesmo fácil, é mesmo complexo. Mas, como se diz aqui em Minas, é uma judiação largar eles por conta de um bocado de circuitos. E essa é uma responsabilidade sua, não do Bill Gates ou Mark Zuckerberg.

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