Será a letra cursiva um novo latim?


Parece que o Calvin concorda com a Finlândia. In: O mundo é mágico: as aventuras de Calvin & Haroldo, por Bill Watterson. Ed. Conrad, 2007, p.30.
"Finlândia substitui letra cursiva por tablets em escola": essa foi a manchete da reportagem de Patrícia Pereira para a Folha de S. Paulo. E traz muitos sentimentos conflitivos.

É certo que a Finlândia, por diversos índices, tem a melhor educação do mundo. E, de repente, dizem que as crianças devem substituir a letra cursiva por aulas de digitação! Como assim, as crianças vão parar de escrever?

E agora? Se a educação na Finlândia é tão boa, devem ter seus motivos para tal iniciativa e, certamente, fizeram pesquisas antes. Por outro lado, uma das maiores emoções do meu filho foi justamente a conquista da letra cursiva. Foi um processo, daqueles raros a cada dia nas escolas tradicionais, em que efetivamente se tem prazer em aprender. As professoras ratificam que há uma grande expectativa nas crianças e um grande ganho em sua autonomia e estima.

A justificativa da Finlândia apontada pela reportagem parece bem plausível. É uma questão de praticidade. Se não se usa, para quê aprender? O que importa é o conteúdo, e não a forma (vão continuar a ensinar a escrever à mão, mas em letra de forma que, aqui no Brasil, antecede à letra cursiva). Para eles, se perde tempo demais com a técnica, para ajustar uma caligrafia que não é mais exigida em um mundo onde as pessoas utilizam do teclado para escrever. É um tempo que poderia ser usado no aprimoramento da produção de texto em si, enquanto enunciados, desenvolvimento de ideais, argumentação, aprimoramento da criatividade, e também da habilidade de digitação.

Há também o contra argumento que a letra cursiva ajuda a desenvolver outras habilidades motoras e cognitivas. Mas, por outro lado, também devem haver outros exercícios que fazem essas mesmas funções, agregando novos conhecimentos que vão ser mais úteis.

Outro contra argumento é que a escrita cursiva é também uma parte da identidade, cada um tem um jeito de escrever, um dos símbolos da singularidade do sujeito. Mas esse é fácil: prefiro ver a singularidade do meu filho em um estilo de texto bem desenvolvido, ao invés de uma letra bem bonitinha. E vamos lembrar que "letra indecifrável" faz parte da personalidade coletiva dos médicos, o que não é exatamente uma boa coisa!  

Mas o mais assustador - pois envolve questões culturais que nos angustia - é o argumento de uma professora brasileira que reside lá: nós valorizamos a letra cursiva porque valorizamos em excesso as questões estéticas: "É diferente do Brasil, onde tudo se avalia pela aparência. Aqui o professor nunca vai se preocupar com letras bonitinhas."

Pensando bem, não faz sentido? Vejo meu filho indo para escola mais preocupado com o cabelo do que com o material escolar! Me lembra o uso do latim, onde era sofisticado mostrar que sabia, mas tinha utilidade zero.

Vale ler a reportagem completa.

 

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