Seria a Tecnologia nosso Santo Graal?
Minissérie é uma das várias que querem nos mostrar as consequências da imortalidade. Crédito: divulgação |
Assisti a minissérie Labyrint, produção independente e europeia dos irmãos Ridley Scott (Blade Runner, Alien, Perdido em Marte) e Tony Scott (Top Gun, Fome de Viver). No cerne do enredo, está o Santo Graal. Entre várias lendas que cercam esse nome, a mais popular é a de ser o cálice onde Jesus Cristo tomou o vinho na última ceia. Esse cálice seria mágico e daria vida eterna a quem bebesse nele. Como o enredo se passa no tempo passado e presente (do início da década 2010), a mensagem, para esse escriba, é clara: estamos mais para aproxima-se de mim esse cálice do que o inverso. A imortalidade, como em períodos conturbados de nossa antiguidade, transformou-se no nosso maior propósito. Da mesma maneira que naquelas ocasiões, o avanço tecnológico parece nos dizer que 'agora vai'. Mas, qual seria o novo Santo Graal, a nova alquimia?
CRISP, mapeamento genético, órgão de impressora 3D transplantados, transferência cibernética, tudo isso já não é mais ficção científica. Muita pesquisa e dinheiro estão sendo investidos na nossa imortalidade.
Não coincidentemente, leio que o homem pode estar caminhando
para ser amortal, que se diferencia do imortal por conta de uma bala. Ou
seja, o amortal é aquele que estaria livre de morrer de causas
naturais, mas um tiro no coração acabaria com a brincadeira. Alguns cientistas especulam que até 2050 já haverá seres humanos
amortais, resultados de uma mistura de prevenção, ao mapear e
estabelecer cuidados para todas as anomalias do DNA do sujeito, de
tecnologias de manipulação do mesmo DNA antes do surgimento dos
problemas e/ou descobrimento das curas das doenças fatais. Só a
violência nos tiraria a vida.
É inegável, de fato, o avanço tecnológico da biologia. E não entendo de
biologia e sua tecnologia para aceitar ou contestar tal previsão. A
princípio, parece mesmo coisa de fantasia e ficção científica, mas
também pensava assim sobre Inteligência Artificial. Depois que o meu
celular me avisou que eu poderia usar um outro caminho para me dirigir
ao trabalho, melhor e com menos trânsito, sem que eu lhe perguntasse, começo a achar que, como o bom filósofo grego, Sócrates, só sei que nada sei.
No máximo, me dou a liberdade de pensar que a natureza é muito mais
ardilosa do que o ser humano. Para cada coisa que a gente cria na
tentativa de manipulá-la para nosso bel prazer, ela reage com o que ela
acha ser o certo. Vide o aquecimento global e a pandemia da Covid-19. Sendo a morte algo natural
para a vida, que a morte é essencial para se criar vida - função
primordial da natureza, e não necessariamente a vida do homo sapiens
- fico pensando se, a cada tentativa bem-sucedida para estende-la, a
natureza também não cria uma para favorecer a morte. Haja vista ter
capacitado o mosquito Aedes Aegypti e o coronavírus em sistema flex.
De qualquer forma, a ideia de ser imortal nunca pareceu ser uma boa no imaginário do ser humano. Haja vista os arquétipos de imortais da
mitologia, da literatura e, consequentemente, da indústria cultural.
Tudo um bando de seres angustiados e sofredores. Não deve ser fácil
perder todos os entes queridos, um atrás do outro, e a cada nova
geração, e ainda testemunhar eternamente o caos da miséria humana.
Aliás, essa é outra pegada de Labyrinth, que pode ser uma
produção independente, mas não foge de alguns aspectos tradicionais. De
forma alguma isso é ruim, e ainda conhecemos a história do povo cátaro, pessoal cristão ali do sudeste da Europa, mas perseguidos como hereges pela Igreja Católica nos Séc. XII e XIII por acreditarem uma dualidade de forças entre Deus (criador do mundo espiritual) e Satanás (criador do mundo visível). Para os Cátaros, portanto, o mal era tudo que se podia tocar e ver, inclusive o corpo humano, também um produto satânico, e, assim, vão contra a ideia do Deus único, criador do céu e da terra. Fico pensando como essa visão dicotômica, radical, entre o bem e mal, essa dualidade irracional, parece que voltou a moda e, portanto, é mais um toque da série sobre como temos dificuldades em superar nossas bobagens.
A produção faz parte de uma série de séries que abordam o desejo e o fetiche pela imortalidade. Altered Carbon e Old Guardian, norte-americanas; Ad Vitam, francesa; Ragnarok, norueguesa; e até a 3% brasileira, são uma pequena amostra de que sonhar com a vida eterna está em alta no mundo todo. Porque a imortalidade sempre esteve em nossas obras artísticas, mas nos últimos anos quase virou um gênero próprio, dado o volume de produções. E sabemos que isso só acontece porque tem demanda. Será que vivemos, hoje, tão perigosamente que almejamos um sopro de esperança de que vamos ter tempo de ver tudo isso passar? Ou perdemos o que nos restava de humildade e acreditamos que podemos passar para a próxima fase, e virar deuses? O problema, no entanto, como indicam todas essas obras, que o sonho da imortalidade está mais para um pesadelo.
Puxe na memória os seres imortais que conhece na literatura, no cinema: invariavelmente são seres angustiados, depressivos, com propósitos que estão longe de os satisfazerem. Afinal, o que os motiva? Tudo o que buscam, e conseguem, é efêmero e se perde dentro de uma linha que só faz sentido para quem é mortal: o tempo finito. Lúcia Santaella, em um dos seus livros, me ensinou que Mário de Andrade nos recorda que a vida está em brincar entre dois grandes brinquedos: o amor onde se ganha tudo e a morte que tudo nos tira. Que sentido teríamos em jogar se falta um dos extremos do tabuleiro, falta o outro boneco da mão oposta?
Labyrinth é uma oportunidade para olharmos a temática com uma visão mais contextualizada, já que é uma excelente história para quem gosta de misturar passado e
presente. Principalmente quando se é crente que ambos estão muito mais
ligados do que a prepotência moderna gostaria de confessar. Labyrinth não
tem esse o aspecto principal, mas faz do jogo entre o passado e o
presente de duas jovens uma busca para entender o seu papel dentro de um
mundo caótico e sem sentido e que, supostamente, deveria ser guiado
pelas forças divinas. Para mim, estamos vivendo um tempo que tal abordagem faz todo o sentido.
Ao final, mas sem spoiler, percebe-se que o Santo Graal, assim como a
tecnologia, está mais ligados à Humanidade do que gostaríamos de pensar.
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