Há esperança!
Fofoca é um clássico da espécie: teremos vacina? |
Dois fatos na última semana me deram esperança de que uma das facetas mais cruéis das novas tecnologias de interação social está dando sinais de esgotamento. Os resultados das eleições e a notícia da morte de Maradona, dada por um adolescente de 13 anos, me faz crer que, embora ainda muito poderoso, o fenômeno do fake news entra num novo patamar no imaginário dos usuários das redes sociais eletrônicas.
Não há muito do que eu possa dizer sobre as eleições, uma vez que é mais fácil, e mais completo, acompanhar as análises dos resultados pelas mídias tradicionais e com especialistas mais gabaritados. A minha impressão - até mesmo com base nessas análises - é que os extremistas - que são os principais motores das fake news - não conseguiram, desta vez, colar suas mentiras e injúrias nos adversários a ponto de fazer com que seus candidatos ganhassem na base do engodo.
Não nos enganemos: os mentirosos eletrônicos ainda fizeram estragos, e ainda devem fazer por aí, mas até a mudança dos tipos de ataques - agora com ênfase em invadir os sistemas dos tribunais eleitorais com ciberterroristas, categoria muito menos romântica de hackers, uma vez que são "geralmente motivados por crenças religiosas ou políticas, esses hackers tentam criar medo e caos ao interromper o funcionamento de serviços cruciais de infraestrutura" (By McAfee on Dec 13, 2019).
Mas o que me deu esperança maior havia acontecido com minha jovem cobaia cibernética de 13 anos. No dia da morte de Maradona, estava entretido no meu trabalho quando ele grita da sala: "Pai, o Maradona morreu!". A minha resposta automática para toda notícia alarmante e aparentemente irreal (Maradona tinha acabado de sair do hospital e só tinha 60 anos) é também usual: "É fake news!". A resposta que me deu nova fé na Humanidade: "Né, não! Verifiquei no G1!".
Obviamente, posso estar, uma vez mais, dando trela ao meu otimismo humanístico, nem sempre, ou quase nunca, racional. Mas, ao somar com os resultados das eleições - e uma ou outra impressão aqui e ali nos grupos de WhatsApp, onde se têm diminuído o envio de fake news e aumentado o de 'fiscais' da estupidez alheia - me dão o tal alento. Claro, universo científico restrito por demais, mas, vá lá, é o que temos por hoje para que possamos ter algum ânimo depois de tanta desgraça provocada por essa espécie que anda tão perdida.
De qualquer forma, nenhuma ilusão de que é um processo em declínio permanente e que levará a extinção das fake news. Mas é que ainda me surpreeendo com o seu aspecto 'inovador' dado por quem trata delas. Porque elas nada têm de inéditas. Boatos degradantes, com objetivos políticos e econômicos, sempre existiram, desde que relatos orais supervalorizaram conquistas e minimizaram derrotas. Dos vitrais das igrejas, dirigidas aos crentes analfabetos e que fantasiavam a vida de mártires, às primeiras edições impressas de jornais, a realidade nunca esteve presente sem antes uma mediação dirigida politicamente para o interesse do dono da mídia, da capela às impressoras.
As redes sociais digitais, ao tirarem o protagonismo desses veículos, trouxeram para si as suas mazelas e, uma vez que sua repercussão é reflexo da pulverização de fontes, da-se a falsa impressão que é um fenômeno humano novo. Desde que inventamos a linguagem, o ser humano gosta de uma fofoca. E uma fofoca só pode ser assim denominada se ela mexe com o fato, de maneira estrúxula e impactante. O porquê gostamos disso, prefiro deixar para os antropólogos, filósofos ou para o ótimo José Ângelo Gaiarsa, no seu clássico mas super atual Tratado Geral sobre Fofoca: uma análise da desconfiança humana (nos sebos, acha-se super barato!).
Tem uma edição mais nova, mas não com uma capa tão legal!
Na moral, o alcoviteiro e aqueles que querem aparecer só ganharam um megafone, para tristeza do restante da Humanidade que só quer levar a sua vida em paz. Mas que também têm culpa no cartório. É o que nos ensinam estudiosos que atualizam o tema, como Sônia Batista e Marlon Rodrigues que, no artigo Da Alcoviteira ao Profissional de Fofoca, mostram que os interesses pessoais e comerciais ainda são a principal motivação. "Este artigo traz uma discussão sobre a mudança de valor da fofoca, do ato de fofocar. O que antes era visto como conversa de comadres, hoje, passou a ser negócio. Há os que querem fofocar e há os que desejam ser fofocados, desejos estes que são explicados quando observamos a profissão de cada um dos envolvidos. Fofocados são geralmente artistas, políticos e socialites e os fofoqueiros são em geral programas e sites de fofocas, ambos lucram muito dinheiro com as fofocas diárias que por sua vez encontram fofoqueiros de plantão, que hoje, chamamos de leitores, telespectadores e internautas, sempre prontos, ansiosos para a mais nova “notícia” sobre seu fofocado preferido".
Portanto, apenas veículos novos para nossas práticas antigas. O consolo, então, é que, da mesma maneira que aprendemos que os vitrais são manifestações artísticas longe da realidade histórica, e que jornais pertencem à empresários com seus próprios interesses, dois dos nossos mais sensíveis públicos, mais facilmente manipuláveis pelas fofocas digitais, os infanto-juvenis e os eleitores, já começam a reconhecer que têm que ficar espertos. Claro, sabemos que, tanto o G1 quanto os partidos do Centrão não são exatamente a representação do real, mas ainda assim estão mostrando que é possível renegar a fofoca maliciosa de um vidro propositalmente embaçado.
Não podemos é relaxar: precisamos continuar insistindo, na educação formal e informal, orientando aos jovens contra a fake news e outros males da cibercultura (sem lhe tirar as qualidades e os prazeres que ela lhes proporciona). Assim como continuar fortalecendo a necessidade dos meios de comunicação clássicos de que devem investir em sua credibilidade, mesmo que isso possa comprometer seus interesses políticos e comerciais de curto prazo (e isso só se faz dado audiência para quando trabalham direito e sentando o pau e desligando quando fazem errado).
Porque novas práticas virão com novos veículos. E os alcoviteiros nunca deixam o plantão!
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