70 Anos da TV Brasileira: Outras Telas - Episódio #8 - TVs das Escolas Básicas

TV produzida pelos alunos de uma escola pública de Sabará/MG

 Para quê fazer jornalzinho se podemos fazer uma TV na escola? Um desafio que já tem feito com que muitos estudantes do ensino básico exercitem sua comunicação audiovisual. E o aumento da experiência vale a pena colocá-las no rol de outras telas no diversificado catálogo de tipos de televisão, muito mais amplo que as tradicionais comerciais comemoradas nos 70 anos do veículo no Brasil. Assim, como as universidades, as escolas de ensino básico também estão no ar. Ou, melhor dizendo, na rede.

Mas que fique claro: as TVs nas escolas não surgiram com a internet. O comparativo com o jornalzinho da escola não é a toa. Era praticamente obrigatório, quando da abertura democrática e do ressurgimento de movimentos representativos estudantis nos anos 1970/1980, que as escolas tivessem tanto jornais feitos por alunos, quanto grêmios ou associações semelhantes. Vivia-se uma nova era de mobilização social e era preciso se expressar. Nem sempre os jornais nas escolas eram de grêmios, mas todo grêmio tinha o seu jornal (impresso ou mural). Muitos dos meus colegas (inclusive eu) começaram a sua carreira em publicações do gênero.

Produzir video era impossível, dado os custos dos equipamentos e a dificuldade em manuseá-los. Mas, para esse testemunhal, basta lembrar que a necessidade dos estudantes de se manifestarem em veículos de comunicação de massa (mesmo que a massa seja só a da comunidade escolar) é algo que é inerente a inquietude da idade, tudo junto e misturado com o incentivo pela exploração, extrapolação e ampliação do conhecimento construído na escola. Lembremos: antes de mais nada, a escola serve para se apresentar ao mundo. E uma vez devidamente apresentado à ele, é necessário que continuemos em comum com ele, em comunicare, origem latina da palavra comunicação.

Em países que já viviam em ambientes democráticos, a prática de jornais, grêmios (que são formas coletivas de comunicação social) e mesmo televisões em circuito interno já eram comuns. No Brasil, aos poucos a prática foi acontecendo, e houve até quem tentasse aproveitar a chegada da TV a cabo para sair fora dos muros, como a TV Cefet/RJ, já presente no I Fórum Brasileiro de Televisões Universitárias, em 1997, em Caxias do Sul/RS. O projeto não foi muito adiante, mas chegou a aproveitar a transição para a internet e estabeleceu um canal no YouTube, um tanto desativado atualmente. No entanto, seu exemplo serviu para outros institutos federais, ainda mais que eles se expandiram consideravelmente nas últimas décadas. São os casos das atuantes TV IFPB, da Paraíba e TV IFPE, de Pernambuco, com produção constante e mais de cinco mil inscritos nos seus canais do YouTube.

Mas meu carinho especial vai para as TVs que são produzidas a unha por estudantes e educadores de escolas públicas. As TVs de institutos federais são cheias de méritos, assim como as produzidas por escolas particulares, mas têm a vantagem de poder contar com um (parco) orçamento e uma equipe estável, coisas inimagináveis para uma escola pública clássica, afogada em um sem número de problemas provincianos. Por isso, é entusiasmante ver alunos que se juntam, geralmente de forma espontânea ou capitaneada por um/a educador/a, para começar a produzir videos e veiculá-los de forma ordenada e periódica. 

É o caso da TV Christiano Guimarães, da escola do mesmo nome localizada no município histórico de Sabará, na região metropolitana de Belo Horizonte/MG. Todos os seus videos atendem uma grade de programação que perpassam pelos temas aprendidos e discutidos dentro da escola, o que mostra como a televisão está intrinsicamente ligada à instituição. São programas específicos, como o Dicas de Estudos, documentários sobre a região e temas juvenis, até mesmo ficção, tendo como gancho questões sensíveis, como bullying. Ficção também foi um dos caminhos da TV Alves de Brito, da escola municipal do distrito de Rodrigo Silva de Ouro Preto/MG, que, no auge de sua produção, passou da casa das milhares de visualizações e, ainda hoje, tem mais de 120 mil inscritos no seu canal.

Não são emissoras fáceis de achar para o internauta comum, mas de amplo conhecimento para o seu público-alvo, os estudantes e a comunidade escolar. E tem um aspecto ainda mais apaixonante. Para isso, preciso lembrar de uma história, que li já algum tempo quando debatia sobre a produção audiovisual nas escolas nos primórdios do barateamento dos equipamentos. O comparativo era com o teatro: dizia o estudo que, quando os jovens utilizavam dessa manifestação artística na escola, raramente era para reproduzir os gêneros comerciais mais comuns, encenações que envolviam personagens da Disney, clássicos da literatura infantil ou temática circense. Pois notamos que, quando o video começa a fazer parte desse tipo de produção escolar, também não se usa na tentativa de imitar as produções comerciais (ao contrário das TVs Educativas brasileiras).

Os jovens, da mesma maneira que utilizavam o teatro, produzem para falar de si mesmos, e/ou dilemas e histórias que vivem no ambiente escolar e no seu entorno. São videos em que falam das dificuldades enfrentadas na escola, no bairro, na sua vida pessoal. E quando partem para produções mais abrangentes, é para o entendimento da cultura onde estão inseridos. Ou seja, se apropriam da linguagem e da larga experiência que têm como telespectadores para se expressar, e não para se transformarem em celebridades globais. Tal desejo é para o individualismo como youtuber, mas a construção coletiva das TVs das escolas básicas atende as necessidades que a própria escola ensina a atentarem e, quando é o caso, cobrarem da sociedade.

O maior problema desses projetos é que raramente são institucionalizados e, mesmo no caso dos institutos federais e escolas particulares, dependem enormemente de um ou dois educadores que banquem sua permanência. Uma vez que os alunos estão sempre indo, se não houver uma política interna consolidada de continuidade, são emissoras que também tem prazo curto de existência, até aqueles animados alunos se formarem. O que não tira o mérito, e até é uma característica salutar de formação e renovação, desse tipo de televisão que, com cada vez mais facilitada a questão tecnológica, e cada vez mais urgente a necessidade de apropriação da produção audiovisual pelo jovem, deve estar presente no cotidiano escolar.

Um guia para produzir TV nas Escolas: abtu.org.br/publicacoes

Para as escolas e alunos que se interessam, não faltam tutoriais e organizações sociais especializadas em ajudar a criarem e manterem suas TVs nas escolas. Da minha parte, produzi um guia de projetos que podem ajudar na formatação de uma grade de programação, depois que realizei uma pesquisa junto com as escolas de Minas Gerais, e que pode ser baixado gratuitamente (veja capa acima). Embora ele tenha sido feito para que as TVEs tirassem a bunda da cadeira e fossem trabalhar junto às escolas, suas propostas de programas também servem para que a comunidade escolar produza independentemente. E para quem quiser ter um manual audiovisual de como ajudar a garotada a produzir, o jornalista Chico Daher, da UFOP, de Ouro Preto e o incentivador da TV Alves Brito, produziu o motion graphic Luz, Câmara, Reação: jovens, identidades e a produção associativa em audiovisual (abaixo).


No próximo episódio...

As TVs Sindicais e de movimentos sociais. Mas que não abrangem somente trabalhadores. Patrões também produzem TV.

Próximo segunda, dia 16, nesse mesmo blogcanal!

 


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