O Brasil valoriza graduados e desvaloriza o professor: vá entender...
O Ensino Médio no Brasil vai definir nosso futuro, mas está uma doideira! |
Dois resultados de pesquisas educacionais mostram como o Brasil é um tanto esquizofrênico quanto à Educação (ok, é também em outras áreas, mas tratemos aqui a pauta do blog). No mesmo estudo, o OCDE mostrou que o país é o que tem maior vantagem salarial para quem tem curso superior e onde o salário do professor do ensino médio é a metade da média dos países ricos. Oi? O mesmo país que desvaloriza o seu educador é o mesmo que valoriza o profissional formado? Vai entender.... Mas, por incrível que pareça, tais notícias têm relação entre si.
Primeiro, as notícias: é isso, a Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico, entidade que reúne os países com contas bancárias mais gordas, divulgou um estudo que mostra que o sujeito com curso superior no Brasil tem uma remuneração média 144% maior do que aquele que concluiu só o ensino médio. É mais que o triplo daqueles que nem isso conseguiram terminar! Para se ter uma ideia, no caso daqueles concluintes do ensino médio, é mais do que o dobro da média dos 46 países pesquisados!
Aí, podemos especular: ah, o Brasil é mesmo um excludente das camadas mais pobres para o ensino superior. Quer mesmo é formar mão de obra barata para as fábricas, prestadores de serviço... Ledo engano, o estudo da OCDE mostra que, se estamos na vanguarda do levantamento anterior, estamos na rabeira do ensino profissionalizante: só 4% (um quarto da média do mundo) dos jovens brasileiros estão nessa modalidade. Para aqueles que completam o ensino médio, o número é de 11%, contra 42% da média. Para se ter uma ideia de como estamos para trás, o penúltimo lugar no número de jovens no ensino profissionalizante é o México que, ainda assim, é três vezes mais que o Brasil. Pode isso, Arnaldo?
Aliás, a pesquisa sobre o ensino profissionalizante é o que mais interessa a entidade, pois a preocupação é no mundo todo: estamos ficando sem técnicos. A cada nova geração, diminuem aqueles que fazem um curso técnico e aumenta quem faz o curso superior. Aqui, especulo por conta própria: como a demanda por técnicos não deixa de existir porque os jovens não estão fazendo cursos técnicos, explica-se porque, cada vez mais, os cursos superiores estão com cara de Senai/Sesc: priorizam as práticas e escanteiam qualquer outras disciplinas humanistas, aquelas que fazem o sujeito pensar na realidade social que lhe cerca, com o pífio argumento de que são 'teóricas'.
Um depoimento de um colega me esclarece isso: professor de curso superior de Gastronomia me explica que o mercado, por conta do boom dos tais cursos, agora está cheio de 'chefs', mas acabaram os cozinheiros! O sujeito coloca o diploma debaixo do braço e espera que tenha uma horda de subalternos para atender seus desígnios. Má notícia, jovem: será você que terá que pegar no cabo da panela!
Fico pensando se também pode estar acontecendo em outras profissões. Se o enfermeiro formado ocupará o cargo do técnico de enfermagem, se o engenheiro vai fazer o trabalho do mestre de obras... É possível que já esteja acontecendo. Professores, escutamos nos churrascos de família que os novos formados saem da escola sem saber nada, e que os patrões é que acabam ensinando o que eles precisam saber. Eu compreendo a frustação de todos: por mais 'prática' que os meninos tenham na faculdade, tiraram as disciplinas e as oportunidades dele de pensar sobre ela e aí, quando chegam no mercado, aquele ambiente limpinho e organizado da escola tem pouco a ver com a balbúrdia que é a vida real.
Não saberia a solução para os cursos profissionalizantes, se será mesmo a tendência serem substituídos pelos cursos superiores. De qualquer forma, o estudo da OCDE mostra que, pelo mundo, nem os estudantes acreditam mais nele: os alunos de cursos profissionalizantes abandonam mais a escola do que os que estão matriculados no ensino regular (cerca de 50%!).
Tudo isso é um desafio para o suposto Ensino Médio brasileiro. Afinal, os sonhos de um EM voltado para as vocações, sintonizado na realidade dos jovens, que tivesse uma pegada já profissionalizante, e que resultou nos novos parâmetros da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) parece que já vem velho. Deve ser por isso que esse novo ensino médio não decola no debate da educação nacional? Não estou certo de nada no meio dessa pandemia, mas a conversa era bastante morna antes dela, então, algo realmente já não estava bem.
E não está bem já tem um tempo, como mostra a desvalorização do profissional educador, que tem no salário o principal indicativo de desprezo. Como a pesquisa indica, nosso professor do ensino médio ganha metade da média dos seus colegas nos outros países! Ele ganha menos até mesmo que seus colegas com a mesma formação no Brasil. Tipo, o químico que trabalha em uma empresa ganha 30% a mais do que o professor de química... Então, claro, não é supressa alguma os jovens não quererem ser professores, mas essa é uma tendência mundial, segundo a OCDE. A nossa diferença, no entanto, é que temos muito mais coisa para fazer que os demais países mais ricos, e sem educação vamos continuar nos dando mal.
O Brasil é tão doido que até faz sentido os dois resultados da pesquisa: afinal, se não temos uma educação que valorize um dos seus pilares, o educador, a tendência é que os outros pilares também sejam bambos e, portanto, toda a estrutura não favoreça uma formação sólida desse sujeito. Não havendo gente formada para trabalhar, a mágica capitalista da oferta e demanda funciona e, portanto, aqueles que tem um pouco mais de formação são valorizados, dada a falta deles no mercado... Um círculo vicioso que ainda envolve outras mazelas brasileiras, como a desigualdade social.
Agora, o que não dá para entender é porque mantemos essa situação neurótica, onde tudo é ruim para todos: para quem precisa de mão de obra, para quem educa, para os jovens, para o crescimento e o desenvolvimento salutar do país!
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