O dia que Eisenstein me salvou!
Então, estou eu no guichê do consulado
norte-americano para tentar conseguir um visto para ir a NAB, a maior feira de
equipamentos de broadcasting, isso em 2013.
Não sei porque ainda mantemos nossa
vocação de vira-lata, como dizia Nelson Rodrigues, e, mesmo com experiência de
viagens internacionais, ainda minhas mãos suam de nervoso perante aquele
cidadão norte-americano.
Aquela posição em pé, respeitosamente, em
frente ao tal burocrata sentado por trás de um grosso vidro, e conversando via
microfone e caixas de som (que repercutem por toda a sala), ajudam neste ambiente
inquisidor.
Tento manter a calma. Sou um sujeito de
quase 50 anos, minha declaração de renda e contra-cheque estão na mochila para
provar que não preciso imigrar ilegalmente, refiz as possíveis respostas sobre
minha trajetória profissional... bem, estou pronto.
- O senhor é professor de cinema,
pergunta o encarregado com forte sotaque de americano em filme brasileiro.
- Sim. (claro, está lá na minha
requisição, ele só quer puxar papo, penso).
- Quem foi Eisenstein?
Entendi errado?
- Como?
- Quem foi Eisenstein?
De todas as perguntas que imaginei, essa não estava
na minha lista! Que supetão! A maneira que o sujeito fez pela segunda
vez a pergunta - um roteirista escreveria aqui “enfático e com olhos
penetrantes e inquisidores” – me fez perceber que o senhor não queria
abrir um debate cinematográfico.
- Foi um cineasta russo, respondi.
- Russo?
- Sim, russo.
Caramba, o que fora aquilo? Achei que
tinha que falar mais alguma coisa, em prol da verdade e da minha realidade. E também para me resguardar.
- Se bem que sou professor de TELEVISÃO
no curso de Cinema e TELEVISÃO. Cinema E TELEVISÃO, VIDEO! (igualmente
enfático, usando, inclusive, as mãos suadas para dividir, aqui cinema, aqui
televisão).
Ele não prestou muita atenção nesta
observação, aparentemente satisfeito com a resposta anterior. Depois perguntou
apenas para onde eu ia e recebeu uma longa (e não pedida) explicação.
Visto liberado.
Saí rindo da história, doido para
compartilhar com minha esposa, dado o inusitado da situação, ainda
mais
que havíamos ensaiado uma série de respostas. Ainda escutei dela, não
sem uma certa razão, que eu não iria compartilhar a história na rede
porque eu
não sabia escrever Eisenstein! Mas também destacou que a pergunta talvez
só
tivesse fora de época, que o encarregado norte-americano queria era
saber se eu tinha ligações soviéticas...
Como fim da fábula, a lição de moral que
fica é que, se um encarregado de dar um visto entende quem foi Eisenstein,
mesmo representando um país pragmático, imediatista e extremamente tecnológico
e promovedor de um audiovisual ‘careta’, ou nem tudo está perdido e/ou precisamos não esquecer
os clássicos, mesmo em tempos de YouTube, Os Vingadores e realities shows.
Eisenstein, e seus companheiros do
início do Séc. XX, se está no imaginário de burocratas como o meu inquisidor,
obrigatoriamente deve nos ter, educadores do audiovisual contemporâneo, como
aqueles que irão apresentá-los às novas gerações, e perceber o quanto ainda são
fundamentais na linguagem e no fazer audiovisual.
(Em tempo: acordei na madrugada, sobressalto:
“O que ele quis dizer com ‘Russo?’ Seria Eisenstein
alemão?”
Cara, esses sujeitos são bons mesmos. Fazem, com cinco letras, você duvidar de si mesmo!
Ufa, só sosseguei quando o Google
confirmou minha resposta. Não era mais um cinéfilo vira-lata.)
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