Apostas de especialistas há 14 anos: o otimismo perdeu.

Especialistas tentaram adivinhar, em 2001, o Brasil de 2015.
A Revista SuperInteressante de setembro de 2001 comemorava 14 anos e convidou 14 especialistas para dizer como estaria o Brasil em 14 anos, ou seja, em 2015. Em post passado, já havia comentado as 14 apostas da publicação na tecnologia, e o resultado foi um tanto decepcionante. No caso dos especialistas, o placar inverteu, mas o triste foi a derrota do otimismo.

Certamente, a análise está menos fundada em dados científicos e mais na percepção do cotidiano - onde efetivamente está a vida ordinária (no bom sentido). Com isso, imagino que cada um também teria a sua opinião.

Água: o então diretor de Agência Nacional de Águas, Marcos Freitas, disse que, se não tomássemos cuidado, teríamos graves problemas de abastecimento, em especial, São Paulo. Como não escutaram o moço, a crise híbrida de 2014/2015 confirmou as suspeitas. Marcos Freitas, otimista, disse que, se o Estado pressionasse os grandes poluidores, rios mortos como Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro, poderiam ser recuperados até 2015. O que vimos, no entanto, não só foi a pouca recuperação do rio como a ideia de sobrecarregá-lo levando as suas já poucas águas para tentar resolver o problema de São Paulo. E os vivos serem assassinados como o Rio Doce, pela Samarco. 1 X 0 para os especialistas.

Ambiente: o ambientalista João Paulo Capobianco pintava um quadro de cinzas para a floresta amazônica. Não tenho os dados para comparar se os números que vaticinou foram cumpridos, mas nesses 14 anos acompanhamos que o Brasil foi de exemplo mundial de tratativas para diminuir o desmatamento até a descrença de que realmente está fazendo isso. No entanto, uma coisa é certa: as notícias de diminuição do desmatamento eram do tipo "o país desmatava X campos de futebol e agora é X-Y". Ou seja, nunca li um dado que dissesse que houve uma recuperação de uma parte da floresta. Ao contrário, com projetos como Belo Monte, cada vez temos menos Amazônia. 2 X 0 especialistas.

AIDS: o infectologista Caio Rosenthal acertou em tudo. Disse que o Brasil já teria controlado a Aids, embora isso não significasse que teria vencido a doença. Haveria, sim, cada vez mais gente com HIV, mas 2015 não veria uma explosão. Ainda não existiria uma cura ou vacina, mas, otimista, o especialista aposta que quem recebesse um resultado de HIV positivo saberia que "porta um mal controlável pelo resto da vida". Fico aqui imaginando se alguém tivesse perguntado sobre a Zika (quê?)... 3 X 0.

Câncer: pessimista estava o britânico Andrew Simpson, então coordenador do Projeto Genoma do Câncer, visto há 14 anos atrás, pelo senso comum, como a principal arma contra as doenças. "Sim, em 14 anos nós ainda vamos morrer de câncer." Andrew previu que as melhorias viriam nos diagnósticos mais precisos e rápidos, auxiliando no tratamento antes da evolução da doença, assim como na melhoria dos medicamentos quimioterápicos, mais personalizados e menos agressivos. O uso do DNA para customização do tratamento ainda é muito restrito, mas por não nos ter dado falsas esperanças, 4 X 0.

Defesa: o especialista em defesa, Luiz Paulo Macedo Carvalho (falecido em 2006), não previu o aumento do terrorismo. Talvez porque tivesse sido entrevistado dias antes da queda das torres gêmeas nos Estados Unidos, que aconteceu no mesmo mês da publicação da reportagem. Mas acertou ao dizer que devíamos esquecer as armas nucleares como referência. A tecnologia ia fazer com que a guerra corpo-a-corpo tendesse a acabar. "As novas armas serão controladas de navios, aviões, ou mesmo do espaço". Na realidade, são hoje controladas de um escritório há milhares de quilômetros, mas a ideia é a mesma. E, pior, Luiz Paulo acreditava que, sim, iriam diminuir o número de mortos, mas a população civil seria a mais prejudicada, pois os alvos atingiram os sistemas públicos. Síria e os Médicos sem Fronteiras que o digam. 5 X 0.

Escola: o educador americano Frederic Litto, como todo educador, era um otimista. Acreditava que a tecnologia e a internet iriam fazer de todos os estudantes um gestor de sua própria educação. Montariam sua própria grade curricular, de acordo com seu interesse, faria cursos no exterior sem sair de casa, e que aos professores caberiam ensinar como utilizar a tecnologia para resolver problemas. Com raríssimas exceções, os professores ainda não sabem utilizar a tecnologia para educar, pois não lhes é dado condições para fazer isso. E os alunos continuam aprendendo a utilizar as tecnologias, independente da escola, mas para caçar Pokémons... 5 X 1.

Espiritualidade: a professora Lia Diskin dizia que as pessoas utilizavam, em 2001, as relações de forma utilitária, para atender interesses particulares. E que talvez isso nos levasse ao caminho da espiritualidade, em busca de compreender nossa existência. Não é o que vemos nas redes sociais. Embora as postagens religiosas sejam as que mais circulam, não me parece que as pessoas estejam fazendo isso para compreender o que se passa, mas apenas para mistificar sua própria imagem ou servir como consolo. Lia também previu que as igrejas tradicionais iriam perder espaço. Não foi o que aconteceu, com o aumento de igrejas evangélicas e até mesmo a retomada da igreja católica com a eleição do Papa Francisco. 5 X 2.

Internet: O economista Jack London estava antenado. Dá vontade de apenas transcrever o texto: "De todas as tecnologias surgidas nos últimos 14 anos, a internet, sem dúvida, será a mais presente na vida dos brasileiros em 2015"; "No lugar da inovação veremos consolidação", "o dinheiro evoluirá até se transformar num bit para transações virtuais" e, neste caso, atingiu até as passagens de ônibus e compra de cigarros. Por último, o mais triste, "palavras como "revolução" e "liberdade" serão substituídas por "conforto" e "convivência"". Meus dados pessoais e íntimos, em troca do e-mail gratuito e meu grupo de whatsapp. 6 X 2.

Medicina: o radiologista Aron Belfer fez algumas apostas acertadas, mas nem tanto. De fato, especialista em tecnologia médica, ele tirou as esperanças de quem achava que quem iria fazer as cirurgias seriam robôs. Ao invés disso, disse que teríamos, nos grandes centros, operações bem pouco invasivas. Apenas olhando para o meu lado, vi que amigos foram realmente operados com cada vez menos sangue, com incisões cada vez menores. De acordo com Aron, o salto daria nos diagnósticos, mais precisos. E os lugares mais afastados utilizariam das tecnologias de comunicação para ligar a demanda de cuidados médicos com a oferta de especialistas nos grandes centros urbanos, em tempo real. Como nossa saúde pública, mesmo com tanta nova tecnologia, continua no mesmo caos, e a maneira de tratar nos lugares mais carentes foi trazer médicos de outros países, acredito que o sonho foi maior que a realidade. Assim, ficamos no 6 X 3.

Negócios: o jornalista Helio Gurovitz previu que, por conta da tecnologia e os sistemas em rede, os negócios iriam mudar de forma radical: "se os negócios antes estavam ligados a empresas estanques, agora a conexão por meio de redes de computador permite estabelecer verdadeiras teias dinâmicas de trabalho corporativo entre várias companhias espalhadas pelo planeta". Pequenas empresas - a grande maioria de nossa economia - já se beneficiam da rede mundial de várias formas, embora muitas vezes batem na parede da burocracia e de uma política tarifária caótica. 7 X 3.

Pesquisa científica: Mais um otimista, o pesquisador Carlos Vogt deve ser mais um triste ao ver como a pesquisa científica caminhou nesses 14 anos. Ele acreditava que o setor empresarial iria ser parte importante da pesquisa e que o poder público iria definir quais as prioridades, fazendo um país dar um salto na comunidade científica internacional. Continuamos na rabeira da pesquisa científica mundial, com um ou outro cientista se destacando, e majoritariamente bancado com recursos públicos conseguidos com pires na mão. Até mesmo o Proteoma, um projeto que previa o "desvendamento das proteínas humanas", próximo passo depois do genoma, parece ter sumido da mídia. 7 X 4.

Tecnologia: O engenheiro eletrônico Jean Paul Jacob disse que, em 2015, o computador, como conhecíamos, deixaria de existir. Na realidade, seria substituído pelo microprocessador, e que viria embutido em todo tipo de objetos, e nem saberíamos que estaria lá. E todos eles conectados na internet. Do smartphone, ao painel do carro, ao controle de temperatura da geladeira, leitor tarifário dos ônibus, radar de trânsito.... tudo são computadores com mais capacidade que a nave que levou o homem à Lua. Talvez ele tenha exagerado - ainda temos o desktop -, ainda mais quando disse que o técnico da geladeira iria vir a minha casa quando ela, o eletrodoméstico, iria avisar que precisava de manutenção. Mas a ideia da internet das coisas - que não precisa de gente para funcionar -, essa já está aí. 8 X 4.

Trabalho: o economista André Fischer parece não ter pensado na questão social quando previu que o trabalho, por conta da tecnologia, iria mudar sua face operacional. Ele previa que profissões sem qualificação e que pudessem ser substituída por máquinas (cobrador de ônibus, caixas, recepcionistas) iriam desaparecer. Não estava errado, talvez apenas é uma questão de tempo: várias cidades já tiraram seus cobradores, supermercados já disponibilizam caixas automáticos, totens de recepção estão por todas as partes. Mas o país ainda não sabe o que fazer com quem ocupa esse espaço, e a questão social faz com que esses avanços no trabalho sejam repensados, e com razão. O economista acertou quando disse que profissões ligadas às tecnologias e internet ganhariam espaço, mas, infelizmente, o mesmo não aconteceu com o meio-ambiente e com o turismo (mesmo depois de uma Copa e uma Olimpíada). 8 X 5.

Urbanismo: A especialista em metrópoles, Marta Grostein, acertou ao dizer que os espaços públicos de diversão seriam cada vez mais privados (shopping, bares, restaurantes), embora há parques públicos cheios. Previu que a rota casa-trabalho também seria a triste opção da classe média, além da baixa renda. E que esse seria o maior problema em 2015: nossas metrópoles e cidades de médio porte sofreriam com o descaso das autoridades com suas áreas públicas de convivência e a inacessibilidade a essas mesmas áreas pela falta de mobilidade do transporte público. O lazer estaria na TV a cabo e internet, o que seria uma tragédia: "Não podemos viver só na conexão casa-trabalho. Isso leva à segregação, à exclusão. O isolamento contraria a natureza humana". Na pinta: 9 X 5.

Como vimos, a arte de adivinhar o futuro é perigosa e bastante incerta, mas quem se especializa tem mais chances de acertar (precisamos dizer isso aos nossos alunos e aos nossos filhos!).

Mas fica o registro de que o autor da reportagem que embasou esse post teve seu momento de visionário místico. Ricardo Galhardo, na abertura da publicação escreveu: "Não temos bola de cristal. Não houve jeito de descobrir quem será o presidente, que número vai dar na loteria ou que time ganhará o Brasileirão de 2015 (embora tudo indique que vá ser o Corinthians, claro)".

O Corinthians foi campeão do Brasileirão em 2015!

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