Uber e trocadores: o preço social da tecnologia
Se a tecnologia é para tirar o emprego daqueles menos assistidos, fora, então, com a tecnologia... Crédito: CCO Domaid |
O que os taxistas e sua relação conflituosa com o Uber e os trocadores de ônibus de Belo Horizonte têm em comum? Ao que parece, a tecnologia como vilã. Embora a palavra 'tecnologia' não apareça em primeiro plano, não é outra a questão: o avanços dos aparatos tecnológicos causam um impacto social que modifica, em curtíssimo espaço de tempo, a vida de milhares de trabalhadores.
Para contextualizar: nas últimas semanas, mais de três mil trocadores de ônibus da capital mineira vivem em enorme tensão. A Câmara Municipal, numa enorme falta de sintonia com o atual momento, aprovou uma lei que desobriga os ônibus a terem 'agentes de bordo', ou seja, se os veículos tiverem bilhetagem eletrônica não precisam ter trocadores e, quando o passageiro não tiver cartão, o motorista que fará a transação financeira.
O Uber, e demais dispositivos que oferecem transporte motorizado, como se sabe, concorrem diretamente com os taxistas. Em ambos os casos, houve uma comoção, debates e aumento de tensão, desde paralisação por parte dos profissionais de BH até atos de violência por todo o país no caso dos aplicativos.
Há uma desculpa subliminar que permeia essas discussões: de que a tecnologia é inexorável e que, por mais que se resiste, ela sobreporá ao final, uma vez que facilita, melhora, economiza na vida do usuário final. No caso específico dos trocadores, desde a implantação da bilhetagem eletrônica, essa desconfiança é presente e só contribui para os estudos que mostram o grande adoecimento dessa categoria, sua precarização do trabalho, que se junta à violência e ao desprezo pela ergonomia, entre outras questões.
No entanto, a "inevitabilidade da tecnologia" e, portanto, "deixa acontecer que as coisas de ajeitam lá na frente", é um grande equívoco. De fato, a tecnologia, desde que pegamos um osso para servir de instrumento para caça ou para arma (vide 2001 - Uma Odisseia no Espaço), tem estendido nossas capacidades e habilidades inerentes e adquiridas, mas não surge e se mantem em geração espontânea (talvez a inteligência artificial possa modificar isso...).
Ou seja, ela atende aquilo que gostaríamos que ela atendesse. Inclusive piorando nossa qualidade de vida, como tem acontecido com as novas tecnologias de informação e comunicação, ao intensificar nossa ansiedade, antes restrita a buscar notícias uma ou duas vezes por dia nos veículos de massa, para cliques frenéticos de minuto em minuto. Conversar com amigos e parentes é ótimo, e conseguíamos esperar até o fim de semana para um contato mais intenso. Hoje, os inúmeros grupos nos sites sociais nos deixam em constante estado de tensão e espera, de busca por estímulo e necessidade de resposta, ampliando assustadoramente, não nossa inerente habilidade de comunicação, mas nossa tendência maníaco-depressiva.
Ao longo de nossa caminhada, descartamos àquelas tecnologias que não mais necessitávamos ou mesmo aquela que julgamos desnecessárias. Entre os motivos, desde a pura obsolescência até... questões sociais. Sim, podemos analisar a necessidade ou não de tecnologia pelo seu impacto social. E para não termos que ir muito lá atrás em busca de exemplos, basta lembrar que, mesmo em BH, no final do Séc. XX, os frentistas de postos de gasolina caminhavam para o mesmo abismo dos trocadores. Afinal, nos países desenvolvidos, eles foram extintos, substituídos pelo autoatendimento. Pois bem, em 1999, depois de uma grande mobilização na cidade, ficou proibido o auto-serviço na capital mineira, deixando claro que "entende-se por sistema de auto-serviço para o abastecimento de veículos aquele que dispensa o trabalho do frentista e permite ao consumidor abastecer seu próprio veículo, por meio de qualquer processo mecânico ou eletrônico" (Lei 7825/99).
Portanto, dá para descartar a tecnologia, politicamente, se ela for prejudicial ao ambiente social.
A justificativa, neste caso, é óbvia: frentistas e trocadores são aquelas vagas que sobram para todo aquele trabalhador com menos qualificação. Aqueles que menos estudaram, tiveram oportunidades e foram acolhidos pelo poder público. Embora guarde alguma semelhança com a automação nas fábricas de automóveis, quando trabalhadores foram substituídos pelos robôs, os frentistas e trocadores nem chegam perto das possibilidades empregatícias desses, dada a falta de qualquer qualificação. Além disso, não tem garantias de emprego, como os garis concursados, correm riscos muito maiores, tanto pelo manejo do dinheiro como nas condições precárias de trabalho, e quase nenhuma perspectiva de avanço de carreira e salarial.
Ao decidir para exterminar uma carreira como essa, o político deve pensar a tecnologia pelos seus aspectos sociais. No caso de Belo Horizonte, a defesa pelas empresas é que não iriam demitir, apenas realocar os trabalhadores, um conto da carochinha que ninguém acredita, justamente pela falta de qualificação. Em casos como o Uber, é fundamental que se deva dar garantias àqueles que investiram tempo e dinheiro em uma atividade administrada pelo poder público, para que não sejam injustiçados pelo avanço da tecnologia.
Claro, todos nós queremos melhorar nossa qualidade de vida, pegando um transporte mais barato e de qualidade. Mas também queremos uma sociedade mais justa, que reconheça e combata as diferenças e as carências sociais. No entanto, a tecnologia, que pode proporcionar tanto um como a outra, também é reflexo da sociedade que a implanta e, definitivamente, o Brasil não tem se mostrado sério no uso das novas tecnologias para transformar a vida do brasileiro em algo mais barato e de qualidade e auxiliando na diminuição das mazelas sociais.
Enquanto essa política de uso de tecnologia não se enfronhar na sociedade como todo, mas principalmente nas políticas de estado, só nos resta pedir o veto do Prefeito enquanto ainda é tempo, além de tentar enfiar na cabeça dos nossos políticos que a tecnologia é para estender, não distender.
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