Softwares educativos nem sempre o são: quando a tecnologia só reproduz o passado

Tecnologia não é sinônimo de inovação: em dez softwares educativos em química, só um quer ser diferente.
Existe um grande equívoco quando as instituições educativas pensam que basta colocar eletrônica em seus procedimentos que elas, finalmente, ficam modernas e sintonizadas com as novas tecnologias. Vários estudos - senão a pura percepção nas salas de aula e laboratórios - mostram que uma boa parte dos tais avanços tecnológicos só reproduz as velhas práticas. Um desses estudos investigou dez softwares que propõem modernizar o estudo da química. E conclui que somente um é efetivamente inovador. O resto, mesmo com seus gráficos bonitinhos, nada mais é do que a reprodução do que se vê na fórmula 'professor tem o saber e os alunos decorem para a prova'.

O estudo é a dissertação de Ríveres Reis de Almeida, professor de química no ensino médio em Belo Horizonte, intitulada  Uso de softwares no ensino de química: potencialidades pedagógicas em busca de um ensino inovador. Ríveres foi muito além da crítica estética e processual que, em boa parte, parece ser a principal tônica da avaliação dos jogos educativos. Fez o que tem que ser feito: se é para analisar as potencialidades pedagógicas de um software é preciso, antes, entender quais as principais teorias de aprendizagem e ver se, de alguma forma, o programa é compatível com seus objetivos educacionais.

Estou longe de ser um especialista, mas como pai e alguém que sempre gostou de ciência, às vezes me parece que a escola estraga nossa curiosidade natural pela química. Meu filho de 8 anos adora fazer soluções: outro dia, depois de ver um filme de espiões, criou um pequeno 'veneno' que tinha um ótimo cheiro de shampoo, sabonete líquido e café. Ou seja, ele buscou, a partir de alguns elementos com características próprias criar um novo elemento com características distintas dos seus componentes originais. Ou seja, instintivamente, ele já domina o conceito de química. Estou morrendo de medo quando ele chegar no ensino médio e contarem para ele que química não é nada disso que ele intuiu, e que a 'verdadeira' química está naqueles losangos com letras que não são abreviaturas das palavras que eu tenho que decorar... ufa, percebam aí um certo trauma de adolescência?

Essa intromissão da escola na tentativa de explicar de forma positivista o que já sabemos é o resquício de um sistema educacional que não se conforma com o que o educando já traz consigo e que, numa sociedade de informação, é muito maior do que às vezes nós educadores damos conta de administrar. Quando não é preciso a intermediação da escola, algumas questões são facilmente resolvidas. Um bom exemplo é a extinção das escolas de datilografia. Naquela época, máquinas de escrever eram símbolos de ascensão profissional/social e, assim, passíveis de serem administrados por educadores. Mas meu filho hoje 'datilografa' melhor do que eu quando era 10 anos mais velho. E porque acontece isso? Por esse é o mundo dado à ele e, instintivamente, ele não vê outra alternativa do que, simplesmente, se adaptar e usufruir. 

Aliás, quando escrevi 'administrar' aquele conteúdo que já vem com o aluno, vejo que nem é uma boa palavra. O ideal seria mesmo 'usufruir' desse conhecimento, o que vários educadores já o fazem em diversos projetos pedagógicos, mostrando que também é uma balela dizer que a escola não tem se movido em direção ao seu aprimoramento. Embora parece que, muitas vezes, tem que fazê-lo à fórceps.

O surpreendente é ver que os criadores de softwares educativos ainda permanecem no século passado. Afinal, a tecnologia da informação e da comunicação não é o que há de mais moderno? Ríveres apresenta sua proposta de análise não a partir das teorias de jogos ou de qualquer nova teoria que coloque a tecnologia eletrônica como principal pilar. Ao contrário, vai buscar nos clássicos da educação, e nos pensadores contemporâneos da pedagogia, suas referências de análise. O professor de química estabelece dez critérios que têm como base as referências das boas escolas de educação. Algumas das questões que ele utilizou para investigar os softwares e em quem ele baseou as perguntas:

  • São capazes de substituir o professor em algumas tarefas, como a de responder certo ou errado, sobrando mais tempo para outras questões ? (Skinner);
  • Colocam o indivíduo frente a conflitos cognitivos que o impulsiona a resolvê-los por meio das estruturas de assimilação e acomodação? Estimulam o pensamento hipotético-dedutivo? (Piaget);
  • Oferecem atividades e apresentam recursos dentro da zona de desenvolvimento proximal? (Vigotski);
  • Apresentam o conteúdo químico como uma ferramenta de interpretar o mundo e intervir na realidade, condição importante na formação humana, segundo o PCN+?

Como resultado, primeiro, somente o software Carbópolis , desenvolvido pela Educação Química da UFRGS, passou no teste, um programa que realmente seja inovador no ensino de química. De acordo com Ríveres, os demais "pouco inovam na mudança de concepção de um ensino baseado na transmissão da informação para aquele em que o aluno é sujeito do seu próprio desenvolvimento, isto é, o computador foi utilizado para informatizar os processos de ensino já existentes."

Como segundo resultado, a pesquisa oferece uma metodologia que pode ser aplicada pelo professores de química para que eles possam escolher qual o melhor programa para cada tipo de proposta pedagógica que pretende. Mas, mais do que isso, sua proposta pode ser facilmente adaptada as demais disciplinas do ensino formal. Por ser um mestrado profissional, Ríveres ainda apresentou como produto técnico justamente a descrição de sua metodologia.

Sua pesquisa aconteceu no Programa de Pós-graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Unviersitário UNA, e teve como orientadora a Profa. Dra. Adilene Gonçalves Quaresma.
 


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