17 de abril e o valor da TV Pública
Transmissão de 17 de abril: provando o valor e a necessidade das TVs Públicas. Crédito: TV Câmara |
A sessão da Câmara de Deputados, que autorizou a abertura do processo de impeachment, não foi exatamente bonito de se ver. Foi um espetáculo deprimente, independente da viés política, pois, pelo discurso da grande maioria dos eleitos, também independente da cor partidária, se viu o quanto é pobre e podre a nossa classe política. Foram raros aqueles que se pronunciaram com equilíbrio e visão adequada para essa triste etapa nacional. No entanto, só pudemos ver tudo isso por conta de algo que temos relegado ao longo de mais de 60 anos: a importância da TV Pública.
17 de abril ficará marcada como um exemplo de como é importante termos um segmento de TV Pública no país, embora poucos se dão - e querem se dar - conta disso. Todas as grande emissoras abertas, comerciais e estatais, transmitiram o sinal da TV Câmara, exceto o SBT, o que também foi corajoso e louvável, oferecendo uma opção de programação àqueles que não queriam ser obrigados a acompanhar uma espécie de cadeia nacional de mais de seis horas.
O que importa aqui, no entanto, é que o tal domingo ratificou um segmento que há tempos tem contribuído para a televisão brasileira e para a democratização da informação. Mesmo que, convenientemente para as emissoras comerciais, à sua sombra. Mas, como assim? A TV Câmara só transmitiu o sinal, que importância tem isso? Vamos elencar algumas e, ao mesmo tempo, destacar o que diferencia uma TV Pública de uma TV comercial.
Primeiro, a TV pública deve ser plural. Não há espaço para teorias da conspiração. Ninguém que assistia poderia dizer que a Globo deu mais ou menos tempo para um possível deputado de sua preferência, que o colocou em um ângulo de câmera mais favorável, que mudou a edição para favorecer seus interesses particulares. Na militância por uma verdadeira TV pública, tinha ótimas conversas com os colegas e, entre eles, o Rodrigo Lucena, diretor da TV Assembleia de Minas Gerais. Lucena, no meio de uma bela discussão sobre qual o modelo de TV pública ideal, disse as TVs legislativas eram o mais próximo que tínhamos de uma. "Como assim, lá está cheio de parlamentares com todas as suas idiossincrasias!", protestei. Lucena nos respondeu que era justamente por isso. Como todas as forças e cores partidárias têm representatividade, e elas, em última medida, representam a sociedade, os produtores das TVs legislativas sofrem cobranças e avaliações de todas as vertentes e, portanto, o resultado tende a ser a representatividade da própria sociedade, entre a situação e a oposição, e suas nuances intermediárias. Em resumo, o deputado minoritário tem tanta autoridade para solicitar seu espaço quanto o líder da bancada majoritária e a programação acaba por refletir a pluralidade de seus milhares de 'chefes'.
Outro diferencial é o interesse público acima dos interesses comerciais, quando no seu trato estético, de edição, de programação, ritmo e fluxo, de conteúdos. Não houve um comercial durante as seis horas de transmissão. Isso, então, significa que é por isso que as TVs públicas não podem ter intervalos remunerados? Não é isso, e o grande problema das TVs públicas é justamente não ter um plano de negócio, garantido em regras legais, que lhes garantam sustentabilidade. A diferença para as TVs comerciais é que a sua fonte de renda não deve pautar o conteúdo, o ritmo e o formato da sua programação. Atender, fundamentalmente, aos interesses públicos - no caso de domingo, o da informação, mas também poderia ser do entretenimento, do apoio à educação formal ou da prevenção às doenças.
A abrangência também é uma característica da TV Pública. Uma abrangência que signifique tanto a possibilidade de ver o todo a partir do local, como ver o local a partir do todo. Realmente era um saco escutar todos aqueles deputados falando um bocado de asneiras que nada tinha a ver com o momento histórico, e isso era um convite para zapear no SBT ou nos canais pagos. Mas não é que, aqui em casa, paramos de mudar de canal quando começaram a votar os parlamentares de Minas Gerais? Fomos reconhecendo os parlamentares comparando com de outros Estados, mas também relembrando de suas próprias histórias locais e vendo se havia coerência com seu discurso.
E sim, deve ser um televisão politizada. Não no sentido de puxar para uma viés partidária, mas, ao contrário, se esforçar para mostrar todas as forças representativas da sociedade. Ou seja, política no sentido de polis, de representar a cidade em seu conjunto de forças, sendo a TV o Ágora midiático, o lugar onde eles se encontram e interagem. Não foi isso que se viu?
Por último, deve ter relevância, algo que as TVs legislativas já se consolidaram nas últimas duas décadas. Como sabemos disso? Basta ver que em cada redação jornalística uma televisão está lá sintonizada no(s) parlamento(s). É que inclui-se nesse rol a TV Senado, as TVs das câmaras municipais e as TVs judiciárias, que trazem as sessões das tribunais, em especial do Supremo Tribunal Federal. Suas imagens estão em todos os telejornais nacionais, mesmo que editadas. Um tipo de informação audiovisual anteriormente negada à população.
Mas, se as TVs legislativas e judiciárias demonstram suas facetas de TVs Públicas, tal experiência só corrobora com o lado triste do segmento: são exceções e as ditas "TVs públicas", ligadas ao Estado, federal e estaduais, estão muito longe de serem consideradas como tal. TV Cultura, Rede Minas, TV Brasil, apesar de soluços esporádicos e temporais, são partidárias, de acordo com o executivo da ocasião, visam mais os interesses político-partidários em detrimento ao interesse público, pouco abrangentes, sem representatividade social e política na sua gestão de programação, e preocupadas em disputar espaço com as TVs comerciais (algo que nunca e nem devem conseguir), sem diferenciação importante e, portanto, sem relevância para o telespectador brasileiro.
O sistema brasileiro prevê - isso é moderno em relação ao mundo - uma tríade de televisões: comerciais, estatais e públicas, algo que, se aplicado, seria rico para o telespectador brasileiro, com oportunidade de assistir uma variedade de programação de acordo com os seus interesses e com a diversidade nacional. Então, assim como é legítimo ter emissoras que remuneram capital e oferecem programação para suprir isso, é legítimo que o Estado tenha seus canais de comunicação atendendo seus interesses. Por isso, as emissoras estatais poderiam deixar a hipocrisia de lado e serem o que parecem querer ser.
Mas é legítimo que também tenhamos mais TVs Públicas, financiadas por recursos públicos e/ou privados, que supram a demanda por elas. O domingo histórico provou que elas são possíveis. E, mais do que isso: necessárias.
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