Livro: essa moderna Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC)

Capitão Picard, de Jornada nas Estrelas, lendo em pleno Séc. 24: a ficção científica acha que o livro impresso é eterno. Crédito: Paramount.

Acabei de arrumar minha biblioteca, seis meses depois de uma mudança. Ufa! E enquanto interagia com minhas publicações, algumas novas e instrutivas, outras velhas e afetivas, pensei em duas coisas: primeiro, como amo meus livros! Segundo, para onde irá essa tecnologia de conhecimento? Alguns dizem que o livro impresso irá acabar. Outros, que ele é eterno. Com a digitalização do conhecimento humano, o livro físico ainda é necessário?

De fato, minha biblioteca talvez esteja fora do seu tempo. Cada vez mais as casas têm menos espaço e livro é um devorador de paredes e metros quadrados. Entre uma TV de 50 polegadas, com informação de todos os tipos, de segundo em segundo, e agora ligada na rede; e um depositório de papel que raramente é consultado, ou que parte encontra-se nas nuvens cibernéticas, não me parece ser difícil a decisão por parte das pessoas.

As grandes fontes de renda das editoras, os livros e apostilas didáticos, apontam para uma digitalização no futuro, sendo acessados e renovados sem necessidade de reimpressão. Ficaria mais barato a escola investir em tablets que em livros. (Claro, gera mais uma exclusão social, onde as escolas privadas e públicas ampliam a distância, dado que as últimas tem problemas de compra e manutenção dos equipamentos, assim como acesso a uma rede plena.  Em consonâncias com as demais tristes exclusões). Para onde caminharia a indústria editorial?

No entanto, adoro visitar livrarias e me espanto com a quantidade de títulos lançados semanalmente. Então, as editoras não devem estar exatamente deprimidas. Mas não é só impressão. Em plena crise apoteótica, agosto e setembro de 2015, meses que não estão associados às grandes datas, viram crescer as vendas. As feiras de livros, como Bienais e Festivais, bombam a cada ano. Para quais prateleiras e bibliotecas estarão indo esses livros?

Avalio que, assim como os demais meios de comunicação condenados antecipadamente à extinção (cinema, rádio e TV), o livro impresso consegue se adaptar e se reinventar. Isso só acontece (como nos demais meios) pelas suas características próprias, ligadas intimamente aos desejos humanos e suas angústias e ambições. Ler um livro, percebe-se agora, não é uma atividade prática de aquisição de informação. É uma experiência. E conhecimento só se adquire com experiência. O livro digitalizado tem também os seus méritos, mas não são os mesmos do livro impresso. Portanto, o conhecimento adquirido com o livro impresso não é exatamente o mesmo de um livro digitalizado.

A tangibilidade sempre foi uma necessidade básica do humano, eternizada pela história de Tomé, o apóstolo que precisava ver para crer. Se não consigo ver Deus, ou deuses, que eu faça uma imagem. Se não posso fazer uma imagem, direciono o olhar para algo tangível: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança"(Gênesis 1:26). O mundo já nos é muito caótico, preciso tocar para comprovar a existência e criar um laço social (o brasileiro, então...). Para o livro, esse mundo do imaginário, folhear suas páginas é como se ligar àquelas paragens, uma espécie de ponte em que posso controlar seu fluxo.

Além das questões poéticas acima, ler um livro físico dá um empoderamento que o virtual não fornece e é uma experiência mais completa quanto mais sentidos ela acionar. Ler um livro não exige apenas de sua visão, mas do tato, do olfato (cheiro de livro é diferente de cheiro de tablet) e também da audição, tanto pela quase ausência de sons (algo que não se espera de um dispositivo eletrônico, ao contrário), como pelo ruído do virar de página, o que marca o ritmo e uma passagem de leitura. Se não fosse importante, não se tentava reproduzir o som no livro virtual. Mas o tablet tenta de forma isolada, como se cada sentido fosse desplugado do outro. Em resumo, ler um livro é uma experiência sensorial onde a visão, o tato, o olfato e a audição se juntam com o meio e momento onde se lê, em consonância com o pensamento que aflora, para, enfim, construir uma percepção única.

Outro diferencial é interferir na estrutura do livro - escrevendo, marcando paginas, folheando para trás para relembrar, para frente para suprir a ansiedade. É algo que o livro virtual também tenta imitar, mas a conversa da mão física - e quem manda nela - é outra com outro objeto físico. Além disso, a existência do livro é uma ameaça e uma esperança. Ameaça até tem a ver com os primórdios da era Gutenberg, quando cientes da revolução que a impressão desenfreada de livros provocaria, houve quem achasse que a existência do conhecimento humano estava em risco, dado que as pessoas não mais precisariam utilizar da memória e dos "sábios" detentores do saber para conduzir a humanidade (qualquer semelhança com a internet e a atualidade não é mera coincidência). 

Os livros não nos permite relaxar e, agora mesmo, fui à minha Bíblia impressa para ter certeza para passagem de Gênesis, mesmo tendo achado na internet. Mas o livro também é a esperança do não esquecimento, e hoje até se brinca que, se a humanidade acabasse agora e descesse um alienígena daqui há algumas décadas, ia achar que paramos em 2000, já que teria poucos registros físicos de nossa existência. Estamos deixando nossos registros aos cuidados de sistemas elétricos e virtuais, o que não é exatamente algo confiável.

Por último, acredito que, como aconteceu com os demais meios, a tecnologia está reforçando o livro impresso, ao invés de matá-lo. Ao associar seu conteúdo a outras TIC, o livro recebe uma luz que não tinha antes. Haja vista sucessos como Harry Potter e aqueles enormes volumes lidos pelos jovens que devia deixar a gente e nossa coleção Vagalume com vergonha. Medi: em apenas um livro do bruxinho cabia O Caso da borboleta Atíria, O Mistério do Cinco Estrelas, O Escaravelho do Diabo e A Ilha Perdida, tudo junto. Além disso, a tecnologia de impressão tem barateado as obras e já sonho com o dia que uma impressão em 3D pode produzir um livro aqui em casa (mas vai ter que baratear o cartucho de tinta).

Claro, posso apenas estar sendo romântico, e meu filho sequer terá uma biblioteca física, deixando tudo dentro de sua nuvem. Mas, tenho dois indícios de que o livro físico será para sempre: primeiro, que a ficção científica nunca o aboliu, e eu confio muito nessa turma que escreve hoje, olhando para a gente ontem, pensando em como estaremos amanhã. O outro é que meu filho, que gosta muito de jogar futebol no tablet, larga rapidinho quando tem uma bola real quicando na sua frente.

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