Espionagem Yankee? As nossas Malvinas!

Freerange
Há um grande exagero nesta questão sobre a "espionagem yankee". Na realidade, é uma grande campanha diversionista.

Tal espionagem me lembra as Malvinas. Toda a vez que um governo se sente acuado, basta declarar guerra a uma grande potência. Por mais improvável que seja a vitória. Como fez (ou faz) a Argentina. Temos mais exemplos por aí.

No meio das passeatas e com a ineficiência em dar respostas concretas (Constituinte e plebiscito? Fala sério!), elegeu-se (pela enésima vez na América Latina) o grande satã norte-americano como o vilão a ser combatido.

Alguém realmente acredita que isso é uma novidade? Ninguém vai em cinema, assiste seriados norte-americanos? E acreditam que tudo ali é fantasia? Ora, a produção audiovisual reflete as paranoias e neuroses da sociedade que a produz e nada ali tem que não esteja ancorado na realidade, mesmo que a história esteja em outro planeta, dimensão, em desenho animado ou no surrealismo.

Portanto, há dezenas de anos sabemos que os EUA monitoram a tudo e a todos. E isso nunca foi exatamente um motivo para perdermos noites de sono ou ficássemos indignados com falta de respeito com a soberania da nação ou com a invasão da privacidade.

Aliás, sobre a invasão da privacidade há outro aspecto hipócrita sobre as recentes discussões sobre o tema. Para mim, é simples. Quer preservar sua privacidade eletrônica? Volte a pesquisar na Enciclopédia Barsa e mandar suas cartas pelo correio.

Não existe almoço grátis. Quando os programas de e-mail e os sites de busca se tornaram inerentes a nossa existência humana, a ponto de não se imaginar o trabalho sem essas ferramentas, faltou perguntar o que nos damos de retorno. Afinal, trata-se de uma negociação comercial. Como análogo, lembro que nossa relação com a TV aberta foi resolvida com o seguinte acordo: tenho a programação gratuita a meu bel prazer e, em troca, autorizo que você interrompa o fluxo narrativo para que aqueles que efetivamente estão pagando a conta possam tentar me convencer de seus propósitos comerciais. Neste sentido, pago a programação gratuita da TV aberta com o que me é mais precioso: meu tempo!

Ora, o Google, programas de e-mail, Facebook justamente negociam esse bem precioso. Afinal, o que esses instrumentos fazem é economizar uma enormidade de tempo em pesquisa, troca de mensagens e informações e cansativas estratégias de preliminares e de manutenção de relacionamentos. Então, somos inocentes a ponto de achar que eles nos daria o que nos é mais valioso sem nada em troca? Ora, para algo tão valioso, o preço é compatível: a nossa identidade.

No entanto, ao que parece, é um preço pequeno. Nos Facebooks da vida somos os primeiros a colocar quem somos, onde estudamos, os nomes dos nossos companheiros, parentes, amigos, o que gostamos, onde estamos, o que pensamos... ora, já sinalizamos que nossas identidade e intimidade não são assim tão valiosas e, portanto, perfeitamente negociáveis.

Por outro lado, deixemos de bobagem: já sabíamos que esses empresas utilizam nossos dados despudoradamente. Ou somos inocentes quando, ao buscar informações sobre passagens para Recife (via Google ou mesmo falando disso por e-mail), milagrosamente anúncios aparecem nos sites que visitamos, recebemos mensagens nas nossas caixas postais. Acreditamos ser coincidência ou o universo trabalhando a nosso favor?

Portanto, debatamos a questão da preservação da nossa identidade na internet não a partir de uma pauta político-partidária de um Estado acuado ou ineficiente, mas a partir do que queremos com a tecnologia. O resto é parecermos com a Velhinha de Taubaté, do escritor Luis Fernando Veríssimo, que acreditava em todas as versões oficiais. Mas, lembremos, ela morreu justamente quando sua inocência foi quebrada!

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