O Covid-19 expôs nossa preguiça

Estamos colocando em dia as pautas que a preguiça não deixava avançar: EaD, Vacinas para Gripe, TV Educativa... Imagem de Engin Akyurt por Pixabay

Temos sido preguiçosos, nós, raça humana. Bastou um frágil, mas esperto vírus, para que a gente pudesse nos perguntar: por que ficamos relaxados e procrastinadores? Explico: antes da pandemia, havia uma série de coisas que estávamos precisando resolver, mas ficamos protelando. Daí veio a catástrofe, e não é que, de uma hora para outra, ficamos ágeis em resolver as tais demandas? Daí, é natural a pergunta: se o filósofo Lulu Santos já nos havia alertado que a Humanidade caminha a "passos de formiga e sem vontade", será certo também que é preciso um bom tropeção para dar um salto à frente?

O insight para as perguntas acima me ocorreu após ler questionamento semelhante feito por Rapha Avellar em artigo que escancara como há uma certa hipocrisia profissional, uma espécie de teatro (de batalha?) entre empresas e equipes de marketing e publicidade: levam meses entre idas e vindas para se decidir uma campanha, com sofisticados argumentos de ambos os lados, clientes e agentes de comunicação, sobre a combinação de cores e a tipologia do anúncio, estabelecendo campos de batalhas de aspectos irrelevantes e que eclipsam o verdadeiro propósito da tarefa. Um jogo de vaidades de quem sabe mais. Daí aparece o tal coronavírus e campanhas são pensadas, discutidas, produzidas e levadas ao ar em questão de dias! O objetivo é, pelo lado do bem, rapidamente colocar-se como agente solidário e oferecer ajuda neste momento, publicitando suas alternativas de ações. Pelo lado do mal, pegando carona oportunista para reposicionar marca. Mas, qualquer que seja a meta, agiram rapidamente e não imagino que houve uma interminável reunião de briefing onde se buscava a natureza humana por trás da palheta de cores a ser usada na identificação visual da campanha. "Em 24 horas, isso tem que estar no ar", creio que era a principal ordem em ambos os lados da mesa. Rapha simplesmente pergunta algo como: ora, não podia ser sempre assim?

Se levarmos para outros segmentos? Porque, mesmo depois de vários sinais anteriores (Ebola, Gripe Aviária, Gripe Suína), ainda investimos mais em estádios do que em estruturas hospitalares e pesquisa? As vacinas levam um tempo considerável para serem colocadas à disposição, um tempo necessário, diga-se. Mas, às vezes, exagerado. Ao que parece, basta a gripe daquela década perder força na mídia, e aí há uma desaceleração nos processos científicos para criar seu antagônico. Será que, caso mantivessem as verbas e empenho, talvez, além da vacina, já poder-se-a produzir conhecimento para o enfrentamento das inevitáveis próximas que surgiriam? No momento que escrevo, a manchete dos telejornais é que já há um grande progresso para a vacina contra Convid-19. Será, então, que a urgência das pesquisas está associada ao número de enterros?

Outro lugar que resolveu tirar a bunda da cadeira é a Educação a Distância. Sim, também morria de medo, dado a fumaça poluidora das péssimas práticas de alguns conglomerados mercenários do ensino que, a partir da fórmula teleaula+enganação, contaminou toda uma sociedade. O Brasil, antes dessas pseudo escolas terem descoberto o gravador de fita, tinha uma bela história de EaD, variada, com resultados positivos em aprendizagem e, principalmente, ciente da sua necessidade dada a extensão de nosso território, a pouca oferta de estruturas presenciais educacionais, a desigualdade social que obriga escolher entre trabalho e escola regular. Soma-se a isso a quase completa dissonância com as principais ferramentas midiáticas com que captamos as informações hoje - meios audiovisuais- versus os praticados em sala - meios impressos e aulas expositivas. E isso independe da idade.

O problema não estava só na escola, atenção! Veja bem, some-se: preconceito negativo para qualquer prática EaD (como dito, construído por quem não faz direito); zero formação dos professores nas universidades para qualquer prática EaD (se quiser, vai fazer um curso a parte, que o nosso negócio é sala de aula!); mantenedoras de escolas que pensam apenas numa economia trazida pela EaD (o que não é verdade, pois estudos sérios mostram que uma boa EaD tem pouca diferença com o custo da presencial, embora possa ganhar em escala); políticas públicas que inexistem, ou, quando as há, parecem que existem apenas para atender ao item anterior. Ou seja, problemão para resolver. Então, se a gente não pode resolver com um plano decenal, que tal trocarmos a asa com o avião voando mesmo? Porque é isso que as escolas, Estado, pais, educadores, formadores de professores, estudantes, estão fazendo agora, neste instante.

Há uma bela e importante polêmica: há quem acha que está uma porcaria essas tais aulas a distância no ensino básico. Outros, acham que, agora sim (principalmente as de ensino superior, que mal estavam conseguindo emplacar os 20% de EaD já assegurados pela legislação, e devem sair com 40% ao final da pandemia... baita lucro! Literalmente! A ver como fica a qualidade....). Prefiro ficar no meio, mais para otimista: é certo que a qualidade das aulas a distância perde muito. Mas sou daqueles que acham que o ótimo é inimigo do bom. Talvez eu esteja sendo parcial, eu sei: meu filho de 12 anos está em casa estudando, e eu vejo que está perdendo muita coisa. Mas, qual a outra opção? Ficar em casa perdendo tudo (menos sua habilidade em videogame). Nas escolas públicas, o desafio é ainda maior. Mas, hoje também começa a tentativa do governo de Minas em usar a televisão educativa (volto nisso lá na frente). São Paulo também está tentando, assim como outros estados. Longíssimo da perfeição, e com outras consequências sociais, como os excluídos digitalmente. Mas, reforço: estão tentando. Estamos discutindo isso para a educação pública há décadas. Para mim, sim, é um avanço. A prática irá fazer com que saiamos do briefing.

Vamos lembrar o que dizem os melhores educadores de todos os tempos: escola é para socialização, o conhecimento surge do encontro, da conversa, da interação social entre alunos, alunos-professores, ambiente escolar. A História do Brasil é para entender a nossa história, o Português, para que possamos contar a nossa história. Isso será insubstituível. Mas era preciso caminharmos para duas vertentes importantes que não se dava bola: a primeira, a da hegemonia dos meios audiovisuais como principal fonte de informação. Tais meios não eram considerados pelas gerações anteriores, que aprendiam com os mestres e livros. Os meios eletrônicos, ou eram inexistentes, ou voltadas quase que exclusivamente para o entretenimento. O segundo aspecto é que é impossível ter escolas para todos em todos os lugares e essa massa de gente (crianças e jovens em região rural ou mesmo em bairros de periferia, jovens e adultos que trabalham sem poder frequentar regulamente) foi sendo sumariamente esquecida, relevada a uma estatística do tipo "há são só x% da população". Acho que já falei da minha aversão a estatística, certo? Em Educação, ninguém poderia ficar para trás. Portanto, a lição é essa: soma-se inclusão+mídia eletrônica+experiência. Posso estar sendo romântico, mas quando iríamos ousar isso em outra ocasião?

Rio de um efeito colateral que, para mim que venho dessa área de origem, é irônico: não é que estão lembrando de usar a TV educativa para... Educação? Outra das nossas procrastinações: quando é que íamos olhar para as TVs públicas e ver nelas o instrumento de inclusão social e cultural para qual foram pensadas, e não veículos de propaganda estatal ou a emissora comercial incompetente (já que não tem vocação para ser comercial)? Pois, na urgência do Covid-19, em questão de semanas as TVEs dos estados assumiram seu papel de educadoras, com projetos ousados e entusiasmados. Se vai prestar, é outra coisa. Mas, como na propaganda, na vacina e no EaD, fizeram em dias muito mais do que as dezenas de seminários nas décadas passadas disseram que devia ser feito. De boa? Acho um progresso. Se nada acontecer depois, pelo menos não se pode dizer que não foi por inexperiência.

Que pena que precisa de uma peste para nos tirar do lugar: será que, além de preguiça, a Humanidade também está perdendo sua tradicional persistência? Por que aconteceria isso? Talvez por estarmos num mundo onde tudo já está à mão, estamos todos mimados. Como tal, obviamente para aqueles economicamente favorecidos e que, infelizmente, são os mesmos que determinam a pauta do que deve ser persistido ou não. Foi preciso uma não vida, um vírus, para nos mostrar que estamos doentes, sem ele, já há um tempo!

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