Alô, Saudades? Ixi, caiu....

Saudade é não poder ir. Imagem do user 3888952 da Pixabay.
Estava aqui pensando: saudades é, basicamente, um problema de comunicação! Matutei isso quando, distantes uns 10 mil quilômetros, estava um pouco triste de que meu filho não parecia estar com a saudade no volume (ou seja lá qual for a unidade de medida que se mede isso) que eu desejaria que ele tivesse.

Meu pai e minha mãe, quando eu tinha a idade dele, foram ficar um tempo em Manaus, para um trabalho lá! Eu ficava com muita saudade! A sensação de solidão, de desamparo, de desafeto, era algo tão forte, me marcou tanto que, confesso, sadicamente, queria que meu filho passasse por tal sofrimento como sinal do mesmo afeto. Sim, é cruel e babaca. Atirem a primeira pedra quem não....

Então, o que rolou de diferente? Ora, no início da década de 1970, se eu quisesse perguntar para os meus pais se eu podia ir a algum lugar em que precisaria de sua aprovação, tinha todo um planejamento com bastante antecedência: as ligações telefônicas, caras e nem sempre perfeitamente audíveis, eram programadas para o domingo, em determinado horário, e começavam ou terminavam com frases do tipo "fala rápido que é interurbano!".

É importante lembrar que a pergunta feita por um garoto de 11 anos se pode ir a um determinado lugar inicialmente proibido trata-se muito mais de uma reafirmação de ligação afetiva do que realmente um pedido de salvo conduto. Ora, que alívio saber que esses alguns, mesmo longe, ainda continuam a cuidar de mim, a pensar na minha segurança e, ao mesmo tempo, no desenvolvimento de minha autonomia. Que vão dizer "pode ir" ou "não pode ir" e terei uma reação emotiva, de júbilo pela conquista ou raiva pela opressão. Mas é essa emoção que me responde a verdadeira questão atrás da pergunta: sim, mesmo estando na Amazônia, esses sujeitos ainda pensam em mim como deve ser: cuidando e amando!

Volta rápida para o presente, recebemos, no WhatsApp, nos tais 10 mil quilômetros, a mensagem do nosso filho: "posso ir ao shopping?" A mãe responde: "vai sozinho?". O filho: "sim". "Então, não!", define a mãe. Segue-se, vindo do filho, uma série daquelas carinhas icônicas de raiva. E, bem, termina-se a questão. Pois então, se estamos à toques de dedos, para quê saudades? Isso sem falar que as ligações também são acompanhadas de imagem, daquelas bem descuidadas mesmo, o que, de fato, aproxima-se ainda mais do cotidiano normal de uma família.

Ontem foi Dia dos Pais e, claro, pensei no meu que já se foi há um tempo. E porque sinto saudades? Porque eu queria me comunicar com ele, oras! Queria abraça-lo, falar de futebol, ficar sentado ao seu lado vendo TV, almoçarmos juntos, como fazíamos. Acredito que não é preciso confirmar aqui o que já sabemos: comunicação é se colocar em comum, e falar é apenas um dos instrumentos de fazê-lo. Ficava horas em silêncio com meu pai, mas como sinto falta dessa forma de comunicação!

Assim, chego a conclusão que boa parte do que inventamos, tanto no campo da racional tecnologia como no da imaginação, é para resolver nosso problema de saudade/comunicação. Nas religiões, dá-lhe céu, purgatório, espectros, para dizermos a nós mesmos que eles, aqueles pelos quais estamos saudosos, estão lá, cuidando e amando a gente, mas o problema é que o interurbano é caro e ineficiente. Enquanto não criamos um aplicativo para perguntar para eles se eu devo mudar de emprego, ou receber um SMS com um "coloca um casaco", a gente vai se virando com reza e rituais espirituais.

Por aqui, criamos ferrovias, estradas, veículos terrestres, navais e aéreos para, se não dar para ir e voltar, pelo menos nos deixa seguros que é somente uma questão financeira e/ou de oportunidade. Como os almoços na casa do meu pai: posso até não queria ir, mas sei que ele estar lá quando precisar. Falo em transportes, porque estão intrinsecamente ligados à nossa necessidade de comunicação.

A saudade, portanto, é do que nosso sentimento dizendo que, se você quiser ir, não tem mais como se colocar em comum: não tem ligação telefônica, não tem linha de trem, não tem sofá para compartilhar, não tem Telegram....

Então, pensando bem, regozije! Que ótimo que meu filho não precise antecipar esse sentimento, ter uma espécie de degustação mórbida dessa falta de comunicação, como eu tive quando meus pais estavam longe e o domingo parecia nunca chegar. Que viva a comunicação e a tecnologia, que ela nos deixe com menos saudades mesmo, e que aproveitemos delas para, pelo menos nessas angústias, possamos apaziguar com nossas telas e aplicativos, deixando para o verdadeiro luto nossas tratativas reais com nossas faltas.

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