Será que a 2a. tela já caducou?
Netflix e novo controle mudam (ou reforçam?) os hábitos de ver TV. Crédito: Pixabay CC0 Public Domain |
Lembrando: é um senso comum que a TV agora funciona com (ou como) uma segunda tela. Ao assistir, um outro dispositivo (smartphone, tablet, netbook) estaria aberto com outra tela, com conteúdos complementares e/ou aplicativos de relacionamento digital. A pergunta agora é: afinal, a tal 2a. tela está correspondendo ao que acreditamos que ela faria?
Já tratamos da segunda tela em diversas ocasiões, graças a dados de estudos, como a Pesquisa Brasileira de Mídia, a próxima entrada da TV Híbrida e em um amplo artigo publicado em 2015, entre outros momentos. O que há de novo (se bem, que nem tanto) é a confirmação, de um lado, do sucesso de plataformas de conteúdo assinadas, como a Netflix e Globoplay, mas, do outro, que as pessoas querem continuar assistindo televisão da maneira, digamos, 'clássica'.
Que maneira seria essa? Ora, simplesmente ligando o aparelho televisor e assistindo. E se ver TV também era sinônimo de uma audiência compartilhada, tanto com outras pessoas do ambiente, mas também com outras atividades (cozinhar, se arrumar, mexer no telefone), a Netflix também veio mexer com isso. Mas em favor da televisão.
Porque a Netflix parece estar reeducando as pessoas para o consumo de produtos televisivos. Agora é sob demanda, e não mais dependente de uma grade de programação (adoro a palavra 'grade', pois quer dizer justamente o que é, uma espécie de prisão..., assim como a 'grade' curricular, mas isso é assunto para outro momento). Além do 'binge-watching', o novo fenômeno de consumo onde o telespectador assiste a vários episódios de sua série preferida de uma vez, esses sites de conteúdo audiovisual resgataram outras características de um equipamento abandonado: o video-cassete, aquele mesmo das fitas VHS.
Explico: um dos importantes degraus da interatividade que o telespectador estabeleceu com o seu televisor foi, depois da criação do controle remoto, o video-cassete. Com ele, começamos a gravar os programas que não podíamos assistir dentro da grade, para então ver depois. Melhor: podíamos pausar para ir ao banheiro, ou chamar alguém para ver uma cena; acelerar para evitar as partes chatas; dar 'stop' para assistir posteriormente; rever quando quisermos. Viu, como não tem nada de diferente da Globoplay? Se bem que não era só programas da Globo e, puxa, era quase de graça, só custando uma fita VHS (e que podia ser reutilizada)!
Engraçado é que, naquela ocasião, ninguém chamava isso de interatividade, quando é o uso quase pleno da nomenclatura: todo o poder para o usuário para ver ao bem prazer. Portanto, só não era pleno em interatividade, porque não há como alterar o produto. O que, aparentemente, ninguém, nem as TVs e nem a audiência, quer fazer mesmo.
Com o controle remoto já havíamos nos libertado de continuar assistindo a uma sequência de programas em um determinado canal só pela preguiça de ter que levantar do sofá (o que me lembra que meus pais já tinham resolvido isso transformando, nós, as crianças, nos seus remotos particulares). Mas, naquele momento, as fitas cassetes nos proporcionavam a oportunidade de fazer nossa própria grade, quando e no ritmo que queríamos.
Pois bem, se a segunda tela estava sendo cultuada como o instrumento de interatividade da audiência da TV com as suas redes sociais digitais, agora fica a dúvida se vai se prestar a isso. Porque gravar, pausar, acelerar, parar, tudo isso já é feito pelo 'novo' controle remoto, resgatado, após também ser condenado por ter botões demais. A sacada da indústria da televisão em simplificar os comandos do controle remoto - ao mesmo tempo de reaproximá-lo do controle remoto dos antigos VHS - acabou por beneficiar também os sites de videos.
A TV Híbrida já caminha no mesmo sentido, ao planejar todas as suas interações pelo controle remoto. Claro, será possível fazer isso pelos outros aparatos tecnológicos, mas, cada vez mais, percebe-se que o usuário digital é diferente do usuário de TV, embora ambos possam ser a mesma pessoa. Portanto, para quê a segunda tela, então? Para estar ligado nas redes sociais? Mas aí deixa de lado o telespectador, que assiste mais passivamente, e que caracteriza o ver TV.
E nem vou mais discutir se Netflix é ou não TV. Pois é, bastando para comprovar a análise de sua estrutura, linguagem e concepção de suas produções. Como se isso não bastasse, já anunciou que gosta tanto do Brasil que já pensa em produzir novelas, nosso maior produto cultural de exportação.
Vejamos os próximos capítulos.
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