Atletiba e outros contos da TV X Futebol

Não rolou! Mas não é de hoje que cartolas têm uma relação errada com a TV. Será que a coragem paranaense pode mudar o jogo? Crédito: site do Coritiba.

As equipes de futebol do Atlético-PR e Coritiba se recusaram, mesmo diante de 20 mil pessoas, a disputar o clássico, conhecido como Atletiba. Tudo isso por causa do YouTube. Será tal ato de coragem o inicio de uma revolução, digna da transposição do mundo analógico para o digital? Só o tempo dirá se é uma esperança ilusionista ou mesmo um marco para a democratização da comunicação esportiva. O histórico não é favorável e tenho algumas pequenas histórias para ilustrar. Mas, também eram outros personagens, e em outros tempos. Será?

Primeiro, a história mais atual e impactante. Os dois principais times do Paraná, e também da elite do futebol brasileiro, Atlético-PR e Coritiba, iriam jogar neste domingo, dia 19 de fevereiro. Que beleza, torcida compareceu, um clássico de grande rivalidade, início de ano propenso a essas disputas locais. Mas tinha um problema de ordem econômica e de comunicação social. Ambos os times não fecharam os direitos de transmissão dos seus jogos com a emissora 'oficial' da CBF e Federações, a Rede Globo. O argumento, o mais simples de todos: não pagaram o que eles acharam justo, e o que eles acham justo é o que se pode comparar com os grandes times da região sudeste.

Até aí, tudo bem. Não se fechou o acordo, e cada um foi para o seu lado, sendo que a Globo, no domingo, transmitiu outro jogo, daqueles que estavam na sua carteira. Bom, pensaram o Atlético e o Coritiba, então, já que não temos quem transmita, quem sabe não fazemos isso por conta própria? Melhor, vamos colocar isso no YouTube e quem quiser pode assistir por lá! Beleza de raciocínio, tipo projeto ganha-ganha, em que todos são beneficiados: clubes, torcidas de ambas, seus patrocinadores estampados nas camisas, os patrocinadores do estádio e suas placas, e o próprio YouTube e a internet como um todo, pois seria um ótimo exemplo de uso da rede em contrapartida as cada vez mais onerosas formas de transmissão e recepção do nosso principal esporte.

Bem, tinha alguém que não estava satisfeito. A Federação paranaense - que, supostamente, deveria defender o esporte estadual - barrou a transmissão alegando uma burocracia qualquer, daquelas que poderia ser resolvida com um bom papo. Mas, o esporte do Paraná não ia sair ganhando com isso? O Brasil inteiro, com acesso a internet, podendo assistir ao principal clássico do estado, sem pagar pelo um PPV (pay-per-view) ou ter que ter uma TV por assinatura? E, ora, os dois principais times que sustentam a entidade não deixaram suas rivalidades de lado e entraram em acordo? Até a Globo também não teria por que ter objeções, já que ela mesma deu por encerrada as negociações e nem ia ser transmitida por uma concorrente direta...

Ok, essa última afirmação já é mais problemática. As redes sociais explodiram em teorias de conspiração e viram as digitais da emissora platinada no ocorrido. Claro, Tadeu Schmidt, com uma cara seríssima que não lhe é peculiar, negou, ao final do Fantástico, antes dos gols da rodada, momento que, desconfio, é o de maior audiência do programa. Para estar ele lá, lendo um editorial tão do tipo "não temos nada a ver com isso", é que a repercussão deve ter batido forte. Se a Globo tem a ver com isso ou simplesmente a Federação quis fazer bonito para a emissora, ninguém nunca saberá. Mas o que a Globo não pode fazer é negar que, se todos agora apontam o dedo acusador para ela, bem que ela merece...

E é aqui que conto duas historinhas, vindas lá da minha origem de TV educativa. A primeira é muito conhecida no nosso segmento, embora praticamente - e compreensivelmente - desconhecida no mundo comercial da televisão. Foi quando o Santa Cruz, time de Pernambuco, estava lá pela quarta divisão e, portanto, longe dos olhos dos interesses das emissoras comerciais. No entanto, o Santinha tem uma torcida apaixonadíssima, que vai assistir até treino debaixo de chuva. E, naquela ocasião, estavam disputando a tal série com times para lá de desconhecidos, em horário bem diferente - por exemplo, no horário das novelas, olha que heresia! -, mas sempre com estádio lotado. Assim, a TV Universitária de Recife (a primeira emissora educativa do país) pensou "ah, já que nenhuma emissora se interessa, vamos nós mesmos transmitir". Fizeram um acordo com o clube e, já no primeiro jogo, pau a pau com a audiência da Globo, então a emissora com o maior índice. No segundo, resultado igual... no terceiro, a conhecida mala preta passou por lá, comprou os direitos de transmissão por uma merreca e... não transmitiu-se mais qualquer partida. Compraram para não exibir.

Aqui, não responsabilizo somente a emissora comercial - está defendendo seu mercado e não fez nada de ilegal, embora certamente uma sacanagem com o torcedor santista. Mas também a tacanha mentalidade curta dos dirigentes de futebol, capazes apenas do quanto ganham hoje, e não pensando o negócio como um todo. Com a não exibição do futebol, perdeu-se a médio e longo prazo a confiança de possíveis patrocinadores, que querem ver exibidas suas marcas, além de ganhos paralelos, como a comercialização das placas do estádio, ou até mesmo parcerias com a própria emissora educativa no sentido de estabelecer projetos em que ambos pudessem capitalizar a iniciativa de sucesso. Mas, depositar a grana no banco parece ser mais fácil....

Essa falta de visão do negócio é também centro de outra historinha, desta vez ainda mais singela. Em Ouro Preto/MG, onde dirigi uma emissora educativa, tem um campeonato amador. Há times tradicionais, mas nenhum de destaque no cenário mineiro, haja vista que sequer tem algum representante nas séries principais. Mas, futebol é também cultura brasileira, envolve paixões e muita atenção e, vamos lá, é muito legal, pronto! Como a emissora ficava em cima de um morro, e que de lá de cima dava para ver o campo onde se disputavam as principais partidas, a equipe da TV, boa parte também amante de futebol e carregada de gente empolgada em fazer coisas diferentes e inovadoras, resolveu tentar a transmissão dos jogos. Como vantagem, pela localização, a câmera que daria a imagem geral ficaria na própria sede! No campo, apenas câmeras para pegar os detalhes e entrevistas com os jogadores. A equipe de locução da rádio local não viu concorrência aí e, alegremente, incorporam-se à equipe para o que seria a primeira transmissão ao vivo de um clássico da cidade.

Super animados, fomos conversar com os dirigentes dos clubes, totalmente confiantes que eles iriam também ficar muito empolgados com o momento histórico e a oportunidade de serem vistos por todo o município (ainda mais que a presença de torcedores no estádio era bem decepcionante...). Na nossa cabeça empolgada, que emoção seria o ouropretano ligar sua TV e ver, ao invés de um Corinthians X Flamengo, um Rosário X Guarani! E lá fomos nós conversar com a liga da cidade que... em primeiro momento, ao invés de brilhar os olhos de entusiasmo como imaginávamos, perguntou: "e de quanto será nosso direito de imagem?"

Lembre-se daquela musiquinha de decepção dos desenhos animados, é a hora de tocá-la em sua cabeça: tom-tom-tom-tom-toooooommmmm.... Voltamos com o rabo entre as pernas, já que dinheiro é efetivamente algo que uma emissora educativa local não tem. Ao contrário, a equipe, perante a necessidade de várias horas extras que seriam necessárias (afinal, seria em um domingo, era preciso arrumar o equipamento um dia antes e outro depois, sem parar as atividades regulares da emissora), já estava disposta a trabalhar de graça, ou fazer compensações em um futuro imperfeito, só para providenciar e participar do momento histórico e, porque não, estabelecer uma nova grade de programação, puramente local, para seus vizinhos. Mas não fique triste, pois não desistimos e, numa segunda rodada, conseguimos mostrar aos dirigentes as vantagens deles não nos cobrarem pelo direito de imagem, que havia uma certa distância entre nós e a Globo/Band, e também entre os times deles e da primeira divisão brasileira. E, aí, transmitimos muito jogos, que foi divertidíssimo e com excelente audiência.

Mas, deu para perceber como foi educada a cabeça dos dirigentes de futebol? E que, se em Ouro Preto, eles pensam no ganho imediato, fácil, mas descompromissado com um projeto que valorize o futebol como um todo, não dá para culpar - imediatamente - os dirigentes do Santa Cruz. Sair dessa caixinha, que foi sendo construída ao longo dos mais de 50 de TV no país, não é simples. E é isso que dá mais valor às atitudes dos dirigentes paranaenses. E no momento certo.

É porque, com a implantação da TV Digital, temos aí dois caminhos diferentes para adotar, e chamamos mais duas pequenas e significativas histórias, que contrapõe um Portugal X Argentina, ambos povos que os brasileiros gostam de envolver em piadas depreciativas. Pois, neste caso, temos que olhar para ambos e aprender lições. A Argentina, quando da implantação da sua TV Digital, usou justamente o futebol - aprisionado nas empresas de TV paga - como carro-chefe da sua popularização, ao liberar os sinas dos jogos para aqueles que adotassem a nova tecnologia. Gostando de futebol como nós, é claro que funcionou, embora as operadoras de PPV bufaram. Já em Portugal, que deveria ser um bom exemplo, europeus, desenvolvidos e tal, e que também gostam do esporte da bola redonda, nossos patrícios só conseguem ver um Benfica X Porto, dentro de sua casa, se puderem pagar. Lá, deram para a telefonia paga o processo de digitalização da TV. Deu no que deu.

O que vai acontecer com o esporte na era da TV Digital por aqui, ainda é um mistério. O máximo que se tentou foi implantar uma legislação onde, em caso de compra de direitos esportivos e a sua não exibição por decisão da emissora detentora, as TVs educativas e públicas - que não teriam como ganhar dinheiro como as emissoras comerciais - poderiam exibir a disputa. Tipo, a emissora X comprou o direito de transmitir todos os jogos do campeonato, mas aquela partida que envolve aqueles timinhos na rabeira, desconhecidos do grande público, e que ela nunca irá transmitir, poderia ser cedidos para a TV educativa local, e a população poderia ver seu time jogando, ao invés de ser obrigada a assistir uma disputa longe de seu cotidiano. Assim também para esportes desconhecidos e que, na compra de um pacote do tipo Olimpíadas, a emissora nunca iria transmitir, mas uma TVE sim, ampliando o repertório de esportes que a população em geral pudesse conhecer.

É claro que, num Congresso onde, irregularmente, há um número enorme de donos de TV, isso nunca passaria. Daí, a importância do gesto dos clubes paranaenses. Quem sabe sirva de motivação para que os times de Ouro Preto, da 4a divisão do Brasil afora, dos esportes universitário e locais, vejam na internet uma oportunidade de parceria com as emissoras educativas, universitárias, comunitárias, para levar suas imagens e, com isso, adquirir o direito de serem vistas e amadas?

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