"Rádio FM começa a ter seu fim ao redor do mundo". Será?

Na real, pode acontecer de tudo com o rádio. Crédito: pixabay CC0 Public Domain
E o rádio, com a era digital, tem futuro? Não, de acordo com essa manchete do Olhar Digital, da UOL. Não sou especialista em rádio, então só posso especular a partir de minhas impressões, e de meu lugar de ouvinte histórico e atual. Acredito que a manchete tem algo de apocalíptico, bem típico das manchetes mais preocupadas em atrair leitores do que refletir uma realidade baseadas em fatos.

Afinal, a reportagem fala do desligamento das rádios FM na Noruega, que fica naquela pequena parte do globo onde parece que a humanidade deu mais certo. Lá estão também a Suécia e a Finlândia (fico pensando se o frio extremo deixa as pessoas com perspectivas mais humanistas...). Portanto, dizer que é o início do fim "ao redor do mundo" me parece um pouco forçar a amizade. No entanto, dá para pensar sobre o rádio na era digital.   

E, nesse sentido, dá para fazer um paralelo com a irmã mais nova e mais rica, a televisão. E, assim, dividir o tal futuro do rádio em duas vertentes. Uma, no que condiz a veiculação, outra, na produção/conteúdo. Enquanto transmissão de ondas eletromagnéticas via ar, de sons que vão sair de uma estação produtora e chegar em um receptor, em casa ou no carro, embora triste, o desligamento das rádios me dá sensação de inevitabilidade. O áudio é um bloco de informação muito leve e, portanto, fácil de ser levado pela internet. Por outro lado, o espectro eletromagnético, por onde circula as rádios, é e está cada vez mais valioso para as telefônicas e operadoras de tráfego de dados. Portanto, a luta será desigual, entre pequenos radiodifusores e as poderosas empresas de telefonia e dados, embora também haja quem defenda que tirar os radiodifusores do espectro e colocá-los na internet seria também econômico para eles, uma vez que não precisariam mais gastar com os altos custos de transmissão. Vai saber...

Tudo isso também foi dito para as televisões e, com exceção dos grandes centros, não está havendo tanta necessidade de liberar os espectros. No Brasil, por exemplo, o número de celulares por pessoa parece ter batido no teto, com uma média de 1,5 linhas por habitante (sim, um aparelho e meio por cada pessoa, o que explica aqueles sujeitos que despejam dois, três aparelhos na mesa quando chega). Em 2015, o país chegou a recuar em quase 23 milhões de linhas!

Além disso, a Noruega é um país relativamente pequeno, o que ajuda na integração das culturas regionais e distribuição de banda larga (e de renda, desde que bem administrada, como parece ser o caso). Portanto, o rádio tem uma importância diferente em países como o Brasil, com grande extensão territorial, com distribuição altamente irregular de população (com aglomeração de milhões de pessoas em espaços reduzidos e muitos pequenos povoados em lugares ermos), com diferenças culturais significativas entre suas regiões, e com distribuição de renda discrepante (variável importante também para a distribuição de banda larga). Os fãs e entendidos de rádio poderão defender melhor, mas é inegável a sua importância diferencial no seu aspecto social e cultural, de integração com o desenvolvimento local, regional e nacional e, claro, seu papel dentro de uma verdadeira comunicação social.

E acredito que tal exemplo brasileiro pode ser aplicável desde países ricos como os EUA, Rússia e China (por conta das suas também grandes extensões rurais e diferentes culturas e políticas regionais), como todo um continente como a África. Ou seja, uma parcela considerável "ao redor do mundo".

Já na outra vertente, a de pensarmos o rádio como a produtora de conteúdos de áudio, noticioso ou cultural, nem que se desligasse todas as rádios do espectro eletromagnético significaria o seu fim. Seria apenas uma mudança de plataforma. Em resumo, você deixaria de escutar a sua estação de rádio no seu carro via faixa eletromagnética (99,1; 102,5, aqueles números que a gente sintoniza) para pegá-la via rede de telefonia. Assim como já acontece com os dispositivos de TV digital, seu aparelho, no carro ou no rádio-relógio, iria captar automaticamente as rádios disponíveis e disponibilizar os seus conteúdos.

Claro, e aí a maior má notícia: será, majoritariamente, paga. Quem não tiver acesso a internet já era, exceto na possibilidade de, algum dia, popularizarem as redes gratuitas públicas de wi-fi, o que duvido um pouco. Além disso, seria preciso que os radiodifusores (que virariam "webdifusores") repensem o modelo de negócio, algo que a turma da televisão já tem feito com relativo sucesso.

Já a boa notícia é que a turma do rádio me parece já estar mais bem encaminhada que a turma da TV nos seus primórdios da era digital. Como consumidor ocasional de rádio, sinto que eles já se adaptaram muito bem, fornecendo serviços bem integrados, migrando para suas páginas na internet e acrescentando produções audiovisuais, como a transmissão das imagens do estúdio ou mesmo videos exclusivos.

Tais iniciativas até vão contra o próprio movimento de digitalização das rádios no Brasil. Se as TVs analógicas já estão sendo desligadas pelo Brasil, e todas já tem data marcada de transição para o digital, o debate para a transposição das rádios nem me parece que começou de verdade. Nem por isso os radialistas deixaram de se mover.

Aproveito o ensejo e lembro que o rádio é o veículo eletrônico em que o cidadão ainda mais confia, de acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia 2016, investigação que já citei quando falamos de TV, Internet e mídia impressa nas semanas passadas. Embora seja pouco citada como mídia preferencial (só 7%), está em terceiro quando se pede uma segunda opção, perdendo apenas para a TV e a internet.
Grau de confiança nas notícias que circulam em cada mídia
  

Confia sempre
Confia muitas vezes
Confia poucas vezes
Nunca confia
Não sabe
TV
27
26
38
8
1
Radio
29
28
35
6
2
Jornal
30
30
36
4
1
Revista
15
25
51
7
2
Internet
6
14
62
16
2
Fonte: Pesquisa Brasileira de Mídia 2016

No entanto, tenho certa desconfiança sobre essas declarações para a pesquisa. O rádio é tão presente na vida das pessoas que se transformou em uma espécie 'ruído de fundo'. Não me parece que as pessoas deixaram de escutar rádio nos carros (onde cada vez mais estamos) ou ele não esteja presente nos ambientes de trabalho, salas de espera ou nas caminhadas. Mas é tão presente na vida das pessoas que elas simplesmente se esquecem de mencioná-las como importante. É como aquele irmão mais velho, que está sempre presente em casa, embora discretamente. A gente sempre lembra do parente mais vistoso, barulhento ou 'moderninho', mesmo sem ser tão assíduo nas contribuições domésticas.

O rádio também não desaparecerá, analógico ou digital. Na Noruega ou Taquaraçu de Minas. Ainda bem!

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