Black Friday mostra que TV está mais viva do que nunca


Consumidores disputam TVs em promoção | Nacho Doce/Reuters | Metro

Está vendo a foto acima? Não sei aonde ela foi tirada, mas estava muito parecida com o que presenciei em um grande supermercado aqui de BH. Rapaz, mas televisão não está condenada a ser um aparelho nostálgico? "Ninguém mais assiste televisão" é o que mais escuto em eventos acadêmicos que se propõem a serem o oráculo do futuro. Então, porque tanta correria para comprar aparelhos já condenados ao lixo eletrônico da história?

Não sou exatamente fã de "tradições" importadas, como Halloween e Black Friday. Chego a boicotar. E, nesta sexta-feira, fui ali no shopping, do lado da minha casa, comprovar minha tese que a crise econômica iria mostrar que a Black Friday estava fadada ao fracasso, ainda mais que a fama de Black Fraude me parecia ter vindo para ficar. Ledo engano! Fiquei cansado só olhar as filas!

Não é um shopping dos mais sofisticados. Ao contrário, em Belo Horizonte, arrisco dizer que é o, entre shoppings maiores, o mais humilde. E, ainda assim, a fila para comprar televisão no supermercado (no supermercado!) era enorme. Recentemente, também comprei uma TV, a minha primeira smart, e verifiquei que o preço não estava assim muito diferente. Ou seja, não era porque estava liquidando os aparelhos pela metade do preço, sob a alegação que ninguém mais queria.

Na realidade, eu certamente não deveria me espantar, já que não acredito nesta tal decadência da TV. Ao contrário, ela será mais forte do que nunca. Alguém poderia dizer que a compra de uma nova TV tem mais a ver com um desejo de consumir um produto mais sofisticado do que propriamente para o seu uso. Algo como comprar uma geladeira nova, com porta em aço escovado, só para se sentir que deu uma deslocada em sua classe social. Bobagem, pois o movimento da Black Friday não destoa do aumento da audiência. Sim, as pessoas estão assistindo mais TV, e mais as TVs abertas do que as pagas.

O articulista Ricardo Feltrin condensou alguns dados. A audiência, nos noves primeiros meses de 2016, foi 10% maior do que o mesmo período do ano passado. E 80% dos aparelhos ligados estão sintonizadas em TVs abertas, com apenas 1 em cada 5 sintonizado em um canal pago. Ao comprarem novas TVs as pessoas estão apenas confirmando que a televisão é muito mais do que um aparelho eletrodoméstico a ser descartado, que a indústria televisiva, não só os fabricantes, mas principalmente os produtores audiovisuais e emissoras, têm longa vida. Vejamos mais alguns indícios.

A TV paga deixou de ser algo supérfluo para parte importante da população, mesmo aquelas de renda inferior. Conforme relatado por Fernando Lauterjung, pesquisas indicam que, para a classe C, TV por assinatura virou a opção segura e econômica de lazer. Afastados dos centros das cidades, em periferias com cada vez menos opção de lazer econômica e menos ainda em segurança, a TV virou a chance, muitas vezes única, de um pouco de diversão. O que se sabe é que, em grande parte, as pessoas, mesmo tento as dezenas de opções de novos canais, dão preferência as tradicionais TVs abertas brasileiras, mas, desta vez, com uma qualidade muito melhor de som e imagem.

As emissoras abertas ficaram espertas com o avanço dos sites de conteúdo por demanda, como o NetFlix. E fizeram dois importantes movimentos: o primeiro, melhoraram demais a qualidade técnica de seus produtos (haja vista novelas como Velho Chico, Os dez mandamentos e transmissões das Olimpíadas), com o intuito de fortalecer o desejo pela melhor imagem, oferecida pela TV Digital aberta. O segundo movimento foi elas mesmas oferecerem seus 'netflixes', com valores acessíveis e aplicativos para smart TV, tablets e celulares. Ou seja, posso ver a novela em qualquer horário e tela, o principal atrativo da nova era da produção audiovisual contemporânea.

Também, mesmo que a passos lentos, a TV Digital segue inevitável. A capital do país já teve o seu sinal desligado. O grande desafio será São Paulo, a maior cidade do país, agendado para daqui menos de seis meses. Mesmo estando previsto o desligamento em BH apenas para julho do ano que vem, já se comenta o assunto de forma aberta, até em um certo clima de desespero. "Puxa, tem que comprar logo minha TV digital senão não vou ver a novela". Aliás, eu deveria ter feito uma pequena pesquisa na fila da compra de TV! Deve ser um dos motivos? Vacilo epistemológico! 



Em paralelo e nem um pouco irrelevante, principalmente para os fabricantes de TV, supermercados e Black Fridays é que, em 2015, metade da população ainda tinha TV com tubo. Eu mesmo ainda tenho, e funcionava até alguns meses, antes da smart TV que falei anteriormente. Depois desta Black Friday, imagino que o número irá diminuir um pouco. Mas entenda-se que as TVs com tubo já eram muito boas, e sua imagem era ruim muito mais por conta do sinal analógico. Assim, podem ser adaptadas, com um aparelhinho, para a TV Digital, com qualidade de imagem muito boa.

E você sabe que a coisa está pegando é quando o mercado de trabalho também dá sinais de aprovação. Em BH, o Senai, com o apoio da TV Globo, promove cursos técnicos para instaladores de TV Digital. Quando é assim, ou o mercado está demandando, ou a empresa está investindo para que isso aconteça. De qualquer forma, é mais um movimento que a TV Digital vai, finalmente, emplacar.

Soma-se a tudo isso uma nova forma de assistir conteúdos audiovisuais, que, como dito acima, não se restringe mais ao tempo e espaço da programação de uma emissora. Além disso, não se restringe também a um único meio, e eles vão se completando. Novelas têm capítulos exclusivos para assinantes na internet, que complementam o conteúdo visto na TV aberta. Episódios isolados de séries consagradas na TV paga têm exibição exclusiva em páginas de redes sociais. Os telejornais chamam que se incremente as informações dadas na tela com uma visita ao site do programa. Redes sociais das emissoras incentivam que seus telespectadores comentem, no momento da exibição, sobre as produções. A lista é grande...

Mas tudo isso é parte da experiência de ver TV, não algo completamente novo. Ver, estar por dentro, comentar, se identificar, ou identificar o outro, o meio, as angústias e a vida "como ela é", mas sem interferência no conteúdo propriamente exibido. Essa experiência, com as novas tecnologias, sofisticou-se, mas se mantêm a mesma, a de ver o mundo (o ter a impressão de), ou o simulacro dele, via jornalismo, reprodução ou fantasia, por uma janela privilegiada e que exige muito pouco do usuário. Para isso, vale a pena enfrentar a fila da Black Friday!

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