Alguém cobrou as previsões de 2020? Peito aberto: acertei feio e errei bonito.
Impressão minha, ou os Videntes de 2019 sumiram o ano passado? |
Estamos sendo enganados! Está certo, não é exatamente uma novidade, mas há uma enganação em que parece que todo mundo se dá as mãos e se confraterniza na ignorância. Estou falando das previsões de final de ano e que ninguém cobra depois para saber se acertaram. Ninguém, nem mesmo a imprensa que leva os sujeitos nos programas de auditório. Numa sociedade cada vez mais sexualizada por números - é um tesão tão grande por porcentagem que logo o símbolo vai deixar de ser % e ser oİo - não entendo porque os apresentadores não chamam esses caras e os humilham em frente das câmeras. Pelo menos daria um tempo para os pobres coitados tradicionalmente explorados. Seria importante ter também um ranking de astrólogo, futurólogo, chutólogo que indique quem acertou mais, quem são os TOP dos Astros... Pois é, esse pouco caso é um incentivo a impunidade, Brasil! E foi por isso que eu fiz as minhas próprias previsões no início de 2020, já que a possibilidade de ser cobrado era mínima. Mas não serei eu a perpetuar essa hipocrisia cósmica. Não serei um desses que não presta contas à sociedade. Vamos ver o que acertei e errei. Inclusive, com porcentagem.
Parênteses (Esse ano ia ser especial, divertido: saber quem teve coragem em dizer "um grande mal irá parar o mundo". Ou ir mais longe: "Os astros optaram por um mandado coletivo e todos terão o mesmo destino". Ou "as cartas indicam caminhos repletos de morcegos, pandemia, álcool gel, máscaras, respiradores, campanha, vacina". Ganha o prêmio do século TOP dos Astros aquele sujeito que vaticinou: "Não haverá Olimpíada". Mas, vá lá, melhor nem pensar muito nisso. Diariamente já temos essa amnésia coletiva e negociada com os apresentadores da previsão do tempo: alguém já vez a porcentagem de quanto que eles acertam? Se nunca ninguém alardeou, é porque é ruim. É sério, outro dia eu vi a apresentadora cumprimentar a moça do tempo, porque tinha acertado a previsão do dia anterior. Oi? Mas, tá certo, a gente só parabeniza a eventualidade...). Fecham parênteses.
Então, vamos lá: a minha primeira vez que apostei no Destino foi no único post de janeiro de 2020. Primeiro recado já foi bem dado: nunca mais repito a experiência. Não sei se está valendo o troço das asas de borboletas que batem no fim de mundo e provoca um tsunami na minha banheira, mas eu ter feito as tais profecias inéditas e ter dado o inferno que deu me pareceu aquelas ocasiões em que você liga um barbeador na tomada e cai a energia do edifício. Provavelmente é muita empáfia da minha pessoa, mas, bem, é melhor não arriscar. Sinto que derrubei todos os profissionais do ramo num post. Desculpe aí, pessoal.
Obviamente, como todos os meus colegas, não previ o tsunami da Covid-19. E já na primeira frase do primeiro item, sobre Educação, errei redondamente: "vai bombar em 2020!" Pois é, se tem um trem que não aconteceu foi alguém bombar em 2020. Passou todo mundo! Mas, pera lá que tem coisa que mirei num canto, mas acertei em outro. Eu escrevi que ia continuar a crise crônica, mas essa nem mais é uma previsão. Foi interessante ver, no entanto, que minha ideia de que o Estado e as empresas são uma coisa só, desvalorizando a Educação como objeto de consumo acertou em parte, mas não se concretizou em outra: porque tivemos diferentes respostas à pandemia, com partes do Estado, de fato, pouco se lixando, mas outras partes fazendo um grande esforço - mesmo que nem sempre eficiente - para responder às aulas remotas, que foi o que nos restou. Da mesma maneira, empresas e escolas particulares que aproveitaram para diminuir custo e precarização ainda mais sua 'educação', mas outras que se reinventaram, que fizeram de tudo, de treinamento intensivo de professores até reprogramação de um currículo que, como todos sabem, é inchado - foi uma excelente oportunidade para os professores ensinarem somente o que realmente interessa, e não a cartilha de um Enem idealizado. Ou seja, não há um só Estado e um só setor privado. 0 x 2. Comecei mal.
Por outro lado, acho que acertei duas previsões, mas, com a pandemia, muito mais do que imaginava: "Educação a Distância continuará sua tendência a deixar de ser o patinho feio da educação formal e ganhará status semelhante ao presencial" não precisa de defesa. Só achei que teria menos contribuição das universidades, mas até que elas se viraram bem. Empate aqui. E essa outra aqui foi para cair queixo de cartomante de circo: "Cursos gratuitos também serão mais populares e com credibilidade, e muito video no YouTube, mas agora com outras plataformas que vão surgir em 2020 para rivalizar". Só faltou eu dizer que o EaD teria um zoom em seu segmento e que as pessoas iriam 'viver' mais esse momento ('viver', live, entenderam? entenderam?). Placar 2 X 3. Melhorou!
Mas o jogo vira agora: veja que belo parágrafo de volta do futuro: "a educação formal começará a perceber que seu prejuízo, visualizado por salas vazias e/ou alunos cada vez menos participativos, só poderá ser diminuído quando voltar a ser percebida como algo relevante, e não uma instância treinadora de prova de Enem. E qual seria essa relevância? Aquela onde começará a priorizar a relação entre professores (papel insubstituível, em qualquer das revoluções humanas), a proposta de conhecimento a ser construída, os alunos e o seu contexto. O conteúdo, ora, o conteúdo é apenas o que nutre essa relação e a torna maior, como um piquenique onde as pessoas saem alimentadas, mas mais ainda com a sensação de uma experiencia que levará para a sua história." Se tem coisas que a pandemia nos ensinou foi que os alunos não participativos em sala ainda são alunos muito mais participativos do que os do ensino remoto. Como escutei de um professor: "antes, eu pedia por favor para que eles calassem a boca, agora imploro para eles falarem". Antes, tinha aluno que o professor não queria nem ver a cara, agora chora para ligar a câmera. Mas, em grande maioria, os pais sentiram na pele a batalha diária de uma sala de aula. Os mais razoáveis entenderam que aguentar o filho em casa, assumindo a responsabilidade de ajudá-lo nos estudos, é uma tarefa hercúlea: imagina uma sala de filhos meus assim? O desespero é tão grande que, agora, até os mais razoáveis estão deixando de sê-lo implorando o retorno às aulas.
E mais uma certeira: "não acho que a BNCC vai 'pegar' esse ano". Embora eu acredite que os professores, de certa forma, já se apropriaram instintivamente, uma vez que tiveram de diminuir muito os conteúdos. Espero que o que restou seja justamente o que a BNCC prevê. Podia-se era aproveitar a experiência de 2020 e engatar 2021, institucionalizando a Base. Virada de jogo, 4 X 3.
Mas a partida está dura: o próximo item foi sobre a Inteligência Artificial (e correlatos como Internet das Coisas e Cidades Inteligentes), onde previ que seria o tema do ano. Embora tenha-se falando muito dela, é óbvio que ela perdeu para a burrice humana. Não aquela parte da Humanidade que desenvolveu protocolos rápidos, que se mobilizou para salvar vidas, que desenvolveu medicamentos e vacinas em tempo recorde. Mas aquela parte que, mesmo com o esforço da parte anterior, atrapalhou e complicou todo aquele trabalho e deixou que a pandemia virasse uma vergonha planetária em muitos lugares, principalmente no Brasil e nos EUA. A Inteligência Artificial não deixou de trabalhar, mas pouco li sobre a sua participação nos desenvolvimentos das vacinas e medicamentos, embora acredite que houve. Mas a Covid-19 nos mostrou que ainda temos que pensar em nossa inteligência enquanto espécie antes de criarmos outra. Papai e mamãe ainda não estão prontos. 4 x 4.
Mas sejamos mais breves com os próximos itens:
Home Office: a pandemia acelerou a minha previsão: ia continuar em alta, mas ia deixar de ser glamourizado: as pessoas iriam perceber que é uma enganação, ótimo para a empresa e muito custo e cansativo para quem está em casa. E que beleza fazendo reunião com o chefe e o marido passando peladão atrás! As crianças, gritando? O gato ajudando a decidir o orçamento? Mas me dei mal quando disse que também iam rolar crescimento dos escritórios compartilhados e coworking. 5 X 5.
Emprego: outro empate técnico. Acertei, infelizmente, a má notícia que ampliou-se com a pandemia: muitas e muitas pessoas continuarão a perder seus empregos formais e informais para as novas tecnologias. Mas errei redondamente quando achei que iria diminuir o tempo de trabalho. Para quem ficou no emprego, o trabalho multiplicou-se enormemente. 6 X 6.
Lei Geral de Proteção de Dados: ponto! Talvez seja o tema, fora do universo da saúde, que mais tenha sido discutido. Mas a LGPD se aproveitou a intensificação do tráfego de dados que pandemia gerou por estarem todos mais em casa, e atividades como e-commerce e educação a distância mostrarem a subutilização da internet até então. Angustiados, estressados, doentes, ansiosos, tudo isso combina com desconfiança e sentimento de insegurança. Como já me dizia um aluno do Direito que estuda o tema: a Covid-19 antecipou uns cinco anos a internalização da LGPD. 7 x 6.
5G: "Esquece! O Brasil não irá andar um passo sequer. E ficará, mais uma vez, fora de uma série de avanços tecnológicos". 8 x 6. Pior, o Governo Brasileiro resolveu misturar a nova e revolucionária tecnologia de tráfego de dados com produção de vacina, como numa feira medieval: se você me vender uma, eu posso comprar outra! Jesus!
Redes Sociais: encantei! "Não sei o que virá, mas mudará radicalmente (...) os jovens, ávidos, descobrem um meio, popularizam (em todas as camadas sociais), se divertem e, quando veem que os pais e tios começam a entrar, pulam para outro lugar". Tik Tok matou a pau. Qual será a próxima? 9 x 6.
Televisão Aberta, TV Digital e TV Pública: minha área de pesquisa não me deu motivos para orgulho. Logo eu, um defensor da TV aberta e ostensivamente contra quem acha que ela vai acabar, vaticinei que iria perder espaço. Com a pandemia, ela esfregou na minha cara algo como "toma, infiel!". A TV aberta e até a paga voltou a ter relevância pois ela tem algo que as redes sociais ainda não têm: credibilidade. Perante tantos fake news, as pessoas procuraram nas telinhas tradicionais o que era e o que não era verdade. Nem sempre elas entregavam, mas, ainda assim, muito melhor do que nas emporcalhadas redes sociais. 9 x 7. Mas acertei sobre TV Digital, que ia desaparecer enquanto pauta. 10 x 7. E, ainda bem, errei sobre as TVs Públicas ("Tudo indica que será um ano para mantê-las no seu anonimato, quando não dentro de uma campanha de extermínio"). As aulas ofertadas nos seus sinais, por conta da pandemia, para ajudar o sistema público a não deixar desmobilizar professores e alunos, foi um orgulho só: a reocupação da televisão pública para um verdadeiro interesse público. Louvando equipes e educadores que produziram em tempo recorde. E nem dá para julgar qualidade, porque nada na educação em 2020 se salvou inteiramente. Tomei esse gol ao final, mas é daqueles que teria satisfação de eu mesmo marcá-lo contra. 10 x 8.
Uai, até que ao final, acertei mais do que errei. Está certo que o leitor deve estar pensando algo como 'ah, tem uns aí que foi pura sorte'. E daí? Como diria o Dadá Maravilha, não tem gol feio. Feio é não marcar gol. E meus números foram bons: 55% de acertos contra 45%. Resultado excitante.
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