70 Anos da TV Brasileira: Outras Telas - Episódio #6 - TVs Universitárias

 

Casa da Árvore: programa infanto-ecológico produzido pela TOP Cultura. Fonte: arquivo pessoal (2000).

Nos sinais abertos da televisão brasileira, legalmente, só temos dois tipos: as comerciais e educativas. Nessa série, que homenageia os 70 anos da TV no Brasil, o objetivo era justamente não falar dessas duas, já bem tratadas nos documentários comemorativos, como se fossem as únicas existentes. Aqui se prova que a diversidade da nossa televisão é muito mais significativa do que os programas de auditório. A própria dicotomia comercial/educativa já esconde uma dessas facetas da variedade nacional quando lembramos que a primeira TV educativa era também uma TV Universitária. Esse é um tipo de emissora que iria crescer, sem parar, a partir da Lei do Cabo (8.977, de 1995) e da internet. E tudo começou lá mesmo em 1968...

A TV Universitária de Recife, ainda muito ativa, já escancara em seu nome a ligação com a Universidade Federal de Pernambuco. Seria a primeira de uma série não muito longa de outorgas cedidas para instituições de ensino superior (IES) dentro de um processo fracassado de educação a distância nacional, que incluía também a concessão para os governos estaduais. O projeto não foi para a frente, mas as IES e os estados mantiveram suas TVs, cada uma dentro da proposta política de seus mantenedores de ocasião. As educativas clássicas, aquelas ligadas aos governos, entraram para a burocracia estatal, enquanto as TVs Universitárias abriram uma história que, a grosso modo, podemos dividir em três ocasiões acumulativas, ou seja, a cada novo momento acrescenta-se mais e mais TVUs sem apanhar as anteriores (embora muitas emissoras tenham ficado pelo caminho....).

A primeira etapa é mesmo essa de emissoras abertas ligadas as universidades, entre públicas e privadas, que recebem o direito de abrir sua emissora com o compromisso de serem educativas. O que isso quer dizer, não é muito claro quanto a filosofia do que é ser educativo, mas é cristalino no quesito econômico: não pode concorrer, de forma alguma, com as emissoras comerciais e, de cara, é proibido vender seus espaços para manter-se. Portanto, elas nascem dependentes da boa vontade de um gestor que administra um orçamento atrelado a um outro orçamento (da universidade, do Estado) que têm outras prioridades bem distantes de uma produção televisiva. É o movimento mais importante que vai fazer do modelo de televisão no Brasil ser semelhante ao norte-americano, com presença acachapante da TV comercial, sufocando na marginalidade a TV pública.

Não que tenha abalado a vontade da turma de produzir a televisão. Um grande diferencial que as TVs Universitárias já apontado em sua origem, quando comparadas com as TVEs estatais, é sua vocação local. Embora uma parte importante atenda capitais, como a própria TV Universitária pioneira, e a sua irmã TV Universitária de Natal/RN, pipocaram diversas outras em cidades do interior, como a TV Universitária de Uberlândia e a TV Viçosa, ambas em Minas Gerais e ligadas às suas instituições federais das cidades, mas também com emissoras de IES privadas, como a TV Alfenas/MG

Os exemplos estão pontuais pelo país, mas a concentração no estado dos mineiros não é oincidência, pois também fizeram parte dos processos político-partidários que alavancaram o bum das 'TVs comunitárias' após a redemocratização do país. Ou seja, alguns reitores também utilizaram de sua força política. Por mim, sem qualquer problema: se era para distribuir outorgas de TV, tanto melhor que fosse para uma instituição de ensino do que uma fundação de fachada de um grupo político. E, eu mesmo, tenho muitíssimo orgulho de ter trabalhado em uma dessas emissoras privadas, a TOP Cultura, de Ouro Preto (na ocasião, a mantenedora tinha uma IES, que desfez posteriormente, mas matem instituições de ensino básico e cursos de extensão cultural). A cidade histórica mineira, portanto, chegou a ter duas emissoras universitárias em sinal aberto, já que conta com a TV UFOP, da universidade federal.

Esses exemplos, de bom uso de uma concessão pública de TV, foi um dos incentivadores para que, no debate para a criação da Lei do Cabo, nos anos 1990, a nomenclatura 'TV Universitária' ganhasse apelo e conquistasse um dos canais de acesso obrigatório e gratuito, junto com as TVs Legislativas, Comunitárias e Educativas. Portanto, a segunda etapa de crescimento das emissoras das universidades surge com a promulgação da lei em 1995, o que ampliou o desejo e os movimentos de recursos das instituições para atender a legislação e ter uma TV para chamar de sua. O apelo pelo sinal aberto também continuou, embora com ritmo menos acelerado.

As TVs Universitárias passam, então, a fazer parte do leque de gêneros de televisão brasileira fora da dupla comercial/educativa (como os que temos apresentado nessa série). Sua denominação está mais ligada a sua missão - ensino, pesquisa e extensão - do que a sua configuração jurídica (existem TVUs com outorgas comerciais, embora todas se considerem educativas). Ainda mais que o termo 'universidade' vai abarcar também os centros universitários e faculdades, após mudanças nas legislações que tiraram as exclusividades que só estavam no papel.

Assim, os canais universitários dentro das operadoras de TV a cabo vão sendo preenchidos desde com associação de IES para uso coletivo, como o CNU de São Paulo e outras capitais, como com uso único pela escola que se dispusesse a preencher o espaço. Mas, nas dezenas de novas TVs que foram surgindo, além da característica do foco no local - na comunidade acadêmica e no seu entorno - outros destaques das TVs Universitárias foram sua grande diversidade de tipo de gestão (pela reitoria, por cursos, por mantenedora, até por produtoras independentes), de equipe (só por alunos, só por professores, só com profissionais, e, evidentemente, como todas as misturas híbridas dos segmentos anteriores), de programação (entrevistas e debates - acadêmicos ou não -, telejornalismo, cultura, auditório, esportes - incluindo transmissão de jogos - documentários, e até programas infantis e ficção).

A TV Universitária levou a produção televisiva a testar limites, desde reproduzindo o visto nas TVs tradicionais, até experimentando formatos e tecnologias, a depender dos recursos humanos e financeiros da também diversificada estrutura das emissoras (TVs com uma câmera e um funcionário até com mais de 100 funcionários e um edifício com quatro andares). Para orgulho dos seus produtores, o bacana era ver a fuga de seus valores - alunos e programas - para outras emissoras. Afinal, lembremos que a função da universidade é formar e não reter talentos.

O terceiro momento das TVs Universitárias acontece com o incremento da internet e da facilitação das tecnologias para a produção audiovisual: câmeras e softwares muito mais baratos, quando não gratuitos, dentro das câmeras de fotografia digitais, smartphones ou diretamente nas plataformas de video, principalmente o YouTube. Daí, todas aquelas comunidades acadêmicas, que vão da reitoria ao grupo de alunos entusiasmados, e que antes tinham enormes dificuldades de recursos, disposição técnica e operacional de ter uma TV aberto ou no cabo, conseguem abrir sua WebTVUniversitária. 

Tal movimentação compensou, em parte, perdas significativas. Dois fatos econômicos diretos e um indireto expulsaram as TVs Universitárias de seus canais tradicionais, aqueles descritos acima. O primeiro está sendo a deterioração da TV a cabo, cada vez com menos assinantes. Tal declínio já chegou às reitorias, que desmerecem o veículo, mesmo que ele ainda tenha mais de 15 milhões de assinantes. Canais coletivos, como o CNU de São Paulo, viu o número de TVs Universitárias caírem de nove para três em 2020. Já no sinal aberto, com a transição do sistema analógico para o sistema digital, algumas TVs Universitárias abertas com tradição estabelecida em sua região não deram conta de fazer a mudança, que é muito cara e não contou com qualquer ajuda de políticas pública (ao contrário das emissoras comerciais). Talvez o exemplo mais emblemático e triste é o da TV Unisinos, que chegou a atender uma importante área, com diversas cidades do Rio Grande do Sul, chegando a até algumas partes de Porto Alegre. Pois, hoje, transmite a TV Canção Nova, como se precisássemos de mais TVs de igreja.

De qualquer maneira, a TV Unisinos e todas as demais que perderam os espaços no sinal aberto e na TV a cabo, foram se unir as demais que surgiram com a facilidade que a internet ofereceu. Tanto é que, mesmo com todos os problemas, as TVUs nunca pararam de crescer e já são mais de 180 emissoras, com toda a sua diversidade. Esse acompanhamento é feito pelo Mapa 4.0 da Televisão Universitária, da ABTU - Associação Brasileira de Televisão Universitária. A entidade, à propósito, completou 20 anos em outubro como ponto de referência e de encontro, ao realizar eventos periódicos e publicar uma revista acadêmica, com o resultado de pesquisas sobre o segmento e sobre a TV pública, e outros livros e manuais para orientação de produção audiovisual - o que, á propósito, é a cara da universidade! 

Outra conquista da ABTU foi ajudar nas mudanças da legislação, em especial aquela que dá preferência para as IES nas outorgas de TVs educativas pelo país, onde antes reinava a indicação político-partidária. Embora a difícil burocracia do Ministério das Comunicações, a crise financeira que afetou os cursos superiores - o fato econômico indireto que tirou recursos das TVUs - e a implantação do caro sistema de TV Digital não têm ajudado no incentivo dessas escolas para buscarem seu canal no sinal aberto.

Por fim, há ainda um longo caminho para a TV Universitária, dado que, mesmo em crescimento, só 6% das IES do Brasil as tem. Mas, se é necessário, ou bacana, um laboratório para se pensar e produzir televisão, não há lugar mais adequado do que nas escolas de ensino superior: tem lá alunos empolgados, professores entusiasmados e entusiasmantes, e quase a obrigatoriedade de se ousar. Ou seja, se ela começou a brincadeira há 52 anos atrás, já tem estrada para indicar para muita gente maneiras, tanto caretas como inovadoras, de produzir para um veículo que continua se modificando e que ela, entre trancos e barrancos, parece também ir se adaptando.

No próximo episódio....  

A verdadeira TV educativa brasileira não é aquela que passa o seu governador, todo pomposo. Uma verdadeira televisão educativa é uma TV com e para educadores, e que também tenha alunos da educação formal como um dos seus públicos privilegiados. Sim, parece óbvio, e é, mas nos 70 anos da TV brasileira é preciso lembrar da história dessas emissoras, tão importantes quanto desconhecidas do telespectador.

Próximo segunda, dia 2, nesse mesmo blogcanal!

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