Sobre Cashless, Unicórnios e nossa vocação por fantasias.
O mundo caminha para ficar sem papel moeda, mas cheio de unicórnios. CC0 Public Domain |
Mas também não é novidade para nós, certo? No semáforo, os vendedores ambulantes já tem dependuradas as máquinas de cartão. Como na Suécia, as igrejas já recebem dízimo via celular. Nos bares, já pagamos com créditos. E, vamos confessar, pouquíssimo de nosso rendimento passa pelas nossas mãos. Na esmagadora maioria das vezes, é só uma troca de números digitais, caindo na nossa conta pelo empregador e indo diretamente para as contas em débito automático, caixas eletrônicos, via internet e cartão de débito. Isso desde o diretor de banco ao beneficiário do Bolsa-Família.
Um aspecto importantíssimo são as questões sociais: certamente alguém vai ficar de fora e também é certo que esse alguém será aquele com menos condições financeiras. Ou seja, o pobre sem conta bancária (que é assim por falta de condições do sistema financeiro para que ele seja incluído, e não por birra contra o capitalismo), hoje na casa dos enormes 45 milhões de almas, que só usam dinheiro de papel, será, mais uma vez, prejudicado. E não me convence os unicórnios (empresas de tecnologia que passaram do um bilhão de valor de mercado), com seus bancos virtuais vão atender esse mar de gente. Acredito, até, que pode piorar.... Mas essa questão é muito melhor explorada por gente que entende de economia, e há uma ótima análise aqui.
Meu ponto aqui tem a ver justamente com a fofura de colocar o nome de 'unicórnios' nas mais recentes empresas capitalistas que visam, antes de mais nada, remunerar seus acionistas e não extamente fazer o bem da Humanidade. Com o desaparecimento do dinheiro físico, por exemplo, os alarmistas ficarão com o prato cheio. Agora as forças do mal cibernéticas - aquelas que aparecem nos filmes tipo 007 e Missão Impossível - trarão o caos à ordem mundial ao roubarem nosso bits monetários.
Se esquecem que esse tal de dinheiro sempre foi uma dissonância cognitiva criada pelo ser humano para facilitar a troca de bens e serviços e, como a religião e a ideologia, de fato só existe na imaginação humana por um acordo social de aceitarmos como real. Somente em curtos períodos da história o dinheiro em espécie teve lastro, ou seja, um correspondente real de algo de real valor, como o ouro. No mais, se todos quisessem ter o seu dinheiro vivo em casa, descobririam que uma porcentagem ínfima realmente existe em espécie.
Portanto, o dinheiro já é uma fantasia acordada. Daí, tanto faz se é em papel ou em bits. A tecnologia, como sempre, só está ampliando nosso desejo de nos mantermos na ilusão. Atenção: isso não é necessariamente algo ruim, pois somos o que somos por conta de nossa imaginação e a capacidade de colocarmos nossas ilusões como referenciais sociais. Assim, o dinheiro não vai acabar, assim como a arte, as religiões e as ideologias. Apenas, com a ajuda da tecnologia, vai seguir o caminho dos demais acordos imaginativos sociais e mudar as formas de relação com o seu conceito, sem descartar sua função de facilitar a vida comercial das pessoas e instituições em comum acordo. Algo que nem a ficção científica descartou, diga-se de passagem.
O que se deve vigiar é se, nessa viagem alucinógina, todos serão convidados. Da minha parte, eu continuo não acreditando em unicórnios. Mas, por via das dúvidas, estou guardando meus extratos em papel mesmo!
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