Quem tem medo da Inteligência Artificial?
Não. Ainda. Porque é preciso que pensemos nela sempre, para que possamos construí-la, direcioná-la, e, principalmente, submetermos à regulação o quanto antes. A boa notícia é que já passamos por momentos semelhantes e saímos melhor no longo prazo. O problema é a velocidade...
Seguinte: de fato, estamos dando uma daquelas viradas de página da Humanidade. Aconteceu, entre outras, com a pedra lascada, a agricultura, depois com as revoluções industriais. Em algum momento, olhamos para tudo e acreditamos que estávamos perdendo muito tempo em atividades repetitivas, mas sem ganhos em escala, precisão, rapidez e custo. Olhamos para nossas inúmeras limitações biológicas, daquelas que nos colocavam na série D das espécies do planeta, e daí inventamos extensões de nós mesmos que nos fizessem mais rápidos, precisos, produzindo mais e com menos custo energético. Temos o nome a isso de tecnologia.
São mudanças radicais (sim, somos uma especie chegada ao radicalismo, a ponto de um indivíduo apenas, como Jesus e Hitler, ser capaz de mudar toda a nossa trajetória até então). E, como tal, deixam rastros de destruição, como a violência e a fome. Aqueles primeiros que dominaram a pedra lascada ocuparam territórios a base de introduzi-la no corpo dos adversários. A agricultura expulsou e matou de fome caçadores-coletores. As revoluções industriais mudou a concepção de vassalagem e escravidão, pra pior. Terrível, terrível, mas a Humanidade, como um todo, evoluiu no geral, com cada vez menos guerras, fome e doenças. Dois dados apenas: em 1900, de cada três crianças que nasciam, uma não chegava aos cinco anos. No início do Séc. XX, a média mundial era de 56 por mil (na África, o pior índice, é de 89/1000). Hoje, morre mais gente por suicídio (800 mil/ano) do que por mortes violentas (600 mil/ano), incluindo todas as guerras em vigor.
Estávamos vivendo, após ápice da última revolução industrial, em nova encruzilhada, onde sentíamos que era preciso, novamente, parar de fazer as coisas de forma automática e, novamente, darmos um novo passo. Como constatamos isso? Boa parte das nossas atividades profissionais ficaram repetitivas, desde buscar referências jurídicas para embasar casos, para os advogados, como reescrever a mesma notícia, diariamente, ou sazonalmente, no caso dos jornalistas. Pense na sua profissão e verá que é bem capaz de elencar uma série de atividades que já estão no automático há um tempo. Até mesmo os professores (e as apostilas que lhe são impostas) e os artistas (com a multiplicidade dos canais de expressão) já se encontram, basicamente, robotizados, que nada mais é que a velha linha de produção da revolução industrial, mas agora incorporada de nossa mente e corpo, num ciborgue às avessas.
Portanto, desde sempre, batalhamos para substituir o que nos era repetitivo, maçante, que entendíamos como um subaproveitamento de nosso criativo e inquieto cérebro. Daí que a IA (na realidade, o subproduto da era da informática mais radical, mas, ainda assim, tem história atrás dele....) vem para fazer o que a pedra lascada, a agricultura e a revolução industrial, na sua essência fizeram: nos liberar do trabalho aporrinhante de rasgar peles com as próprias mãos, catar alimento aleatoriamente nos campos e costurar à mão os tecidos das roupas. Com isso, abria espaço para o que nosso cérebro fizesse o que de melhor nos levou para a série A do planeta: ser Humano e, com isso, ampliar sua percepção de existência, criar novas formas de melhorar nossa condição enquanto espécie e sujeitos, e melhorar ainda mais o conjunto da Humanidade.
O problema é que, em parte significativa de nossa trajetória, não fizemos essas mudanças com decisões sábias. É que errar demais também é parte da nossa metodologia de evolução. Vá entender, Freud! Portanto, é bem provável que a IA, e todas as demais tecnologias da informática, vão continuar causando danos terríveis para nós. Sim, porque já passamos da fase de ficção científica e agora é mesmo um espetáculo de suspense, meio que caminhando para o filme de terror: já perdem empregos aos milhares, tanto os advogados e jornalistas, como operários da indústria e, em breve, professores, artistas, motoristas, vendedores, médicos, enfermeiros.... pensem em alguma profissão que você já teve ou presenciou e que você tenha pensado algo como "puxa, que coisa mais automática, nem olhou na minha cara..." Pensou? A IA vai substituir!
Então posso encomendar meu lugar no apocalipse? Bem, ainda não. Embora hoje já vivamos uma nova guerra fria, numa moderna corrida para quem desenvolve mais rápido as mais diversas funcionalidades da IA, para o bem e para o mal, diversas organizações também correm atrás. Assim como aconteceram nas revoluções tecnológicas, diversas novas profissões foram criadas do zero, ao se aposentarem outras. A indústria, por exemplo, já sinalizou que, só para a IA, deverão ser criadas 30 novas carreiras. E a própria guerra fria original, e sua corrida espacial, se mostrou um importante passo para a Humanidade, mesmo que a gente tenha batido na trave da nossa própria extinção.
Umas das pendências mais graves, portanto, está em como estamos nos preparando para essa nova virada de página. É preciso o envolvimento das escolas, das empresas, dos organismos estatais, públicos e privados. E, principalmente, vigiar e brigar por uma regulação, assim como já se faz hoje com outro polêmico avanço tecnológico, a manipulação do DNA.
Portanto, é possível, já fizemos antes. Coloquemos o assunto em pauta, das conversas de boteco aos currículos escolares, sem medo, mas também sem muita leveza. É assim que caminha a Humanidade, "com passos de formiga e sem vontade", como diria Lulu Santos. A angústia aqui é que a pedra lascada levou milhões de anos para pegar, a agricultura levou milênios, as revoluções industriais, séculos... e a era da informática começou e eu já estava por aqui!
Será que vai dar tempo?
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