Professores disputam tempo e atenção com a tecnologia, mas podem ganhar o jogo

Educadores retreinam a sua mente (e a dos alunos) a partir de sua própria experiência. Crédito: Imagem de John Hain por Pixabay

O que o negócio dos aplicativos pode ensinar para a educação formal? Bem, ele disputa entre si o que nós temos de mais valioso: nosso tempo, nossa presença e a nossa atenção. Não é o que também reivindicamos nas salas de aula? Então, dá para competir? Sim, acredito que sim. É preciso repensarmos nossas práticas de ensino, mas se utilizarmos o que já se faz de bom, e olharmos para as novas tecnologias de maneira desarmada, aprendendo com elas, talvez dê para reverter e até ganhar o jogo.

Mas vamos por partes: de fato, o que temos de mais valioso, tanto para nós como para o mercado de consumo, não é a grana.  Criamos o dinheiro apenas para facilitar a barganha. É difícil trocar meu tempo pelo seu, minha pessoa por sua pessoa e minha atenção pela sua (conforme a interpretação que temos de nós mesmos, são bens e valores intangíveis e altamente voláteis, portanto explosivas).

Quanto ao tempo, sabemos que é finito, e que a cada dia, não corremos dele, mas atrás dele, com desejo infinito de que valha a pena. Como numa poupança, vamos resgatando na esperança do que sai irá cobrir o que necessitamos imediatamente, e o que resta ainda é suficiente para o que há por vir. A diferença da conta bancária é que não tem jeito mais de depositar (talvez só fazer render mais um pouco, com exercícios físicos e cuidado com a saúde, mas sem maiores garantias).

Outra coisa finita é a nossa atenção, embora nós mesmos tenhamos a impressão de que não. Estima-se que somos expostos a 15 mil estímulos comerciais na nossa vida diária. Mas não conseguimos dar atenção plena a mais de um estímulo de cada vez e caso você esteja lendo esse texto prestando atenção na televisão, no trânsito, na criança ou qualquer outra coisa no entorno, saiba que está perdendo alguma coisa. Isso não é um grande problema quando se sabe que o que está lendo agora não vai cair numa prova, e nem a criança de uma escada, mas ao sobrecarregar a sua atenção (como a sociedade da informação tem feito), o seu sistema geral fica atravancado sem que perceba. Daí, advém acidentes, esquecimentos, confusão mental, angústia e ansiedade (que é nossa maneira de não conseguir prever o futuro com a segurança que gostaríamos), taquicardias.... se tem sentido alguns desses sintomas, então, sua atenção já provou meu ponto de que, finita, começa a dar sinais que chegou ao seu limite.

Sobre nossa pessoa, o que nos importa é nossa personalidade: o que somos, como somos e, o resultado de tudo isso, como nos comportamos. Pois é, nosso comportamento é a parte mais visível de quem somos, e são esses os dados mais preciosos para entender o sujeito. Assim, nossa presença é muito bem resumida com o que fazemos com o que gostamos e o que não gostamos, algo que perdemos toda a compostura de dividir apenas com nosso íntimo e nossos mais chegados, e hoje colocamos nas plataformas de relacionamento digitais e nos cadastros que alegremente preenchemos na esperança de ganharmos uns pontinhos no programa de fidelidade.

Na sala de aula, duas das três nos é garantido por obrigatoriedade: o tempo e a presença. Mas a atenção não é, mesmo que os educadores tentem também infligir obrigatoriedade. Mas como a atenção sequer pode ser inteiramente controlada pelo sujeito, é bem injusto cobrar uma metodologia totalmente eficaz. Então, o que fazer? Bem, aprendendo com os tais aplicativos, vejamos:


Tempo: é preciso passar a impressão para o aluno de que o tempo dele também é precioso para nós e para o que pretendemos fazer nesse período. Claro, sabemos o quanto é difícil trocar um jogo por uma equação de física. Mas, se partimos do pressuposto de que acreditamos que a equação fará sentido, será importante para a vida do aluno, que até poderá ser divertida? Será que, ao nos comunicarmos com ele, podemos pedir ajuda a encontrar sentido? Conseguem ver naquilo que tentamos ensinar um gancho para o jogo que se perde? Essa troca de impressões, esses desafios aos estudante também são uma espécie de jogo que, para tal, também devemos estar preparados (e segurar nossa ansiedade) para abrir mão de uma jogada pensada antes, e sermos surpreendidos. Embora o professor deva sempre ser quem conduz a partida, sua função é mais de capitão do que de juiz, e isso faz toda a diferença quando pensamos no investimento no tempo da partida.

Espaço: essa é fácil para os educadores, embora não pareça, pois o caminho tem suas armadilhas. Somos excelentes para interpretar o comportamento do outro. Sim, acredite! Senão pela prática que temos (conseguimos mapear a sala em poucos instantes dentro dela), pelas nossas características humanas: nossa percepção é treinada a perceber o outro desde nossos tempos que nem sabíamos falar e, portanto, era a nossa única forma de comunicação. Herdamos esse superpoder e hoje sabemos quem entra em casa, mesmo estando no outro cômodo, pelo estilo de rodar a chave na porta ou pela maneira do andar. A armadilha é que andaram nos convencendo que para interpretar o outro preciso ler relatórios, acreditar em laudos, escutar os resumos muitas vezes discriminatórios das impressões de outras pessoas. São documentos importantes, sim, mas, ao invés de darmos crédito as nossas próprias interpretações, vamos na onda do colega que disse que aquela turma ou aquele aluno "são muito difícieis". Portanto, abra mão de preconceitos e perceba seu aluno com seu coração (maneira carinhosa de dizer "com sua intuição que foi construída pela sua experiência e pelos milhares de anos de evolução"). Do mesmo modo, saberemos agir conforme as nossas (sua e dele) necessidades do momento.

Atenção: por fim, essa é preciso ficar atento ao que chama a atenção deles. Uma coisa é certa: exigir a concentração deles não funciona muito bem. Na cabeça deles, é sinal contrário: "lá vem coisa chata que tenho que trocar pelas coisas legais que valem verdadeiramente a minha atenção". Dê uma olhada nos dois itens anteriores e pense: como eles estão usando o seu tempo e seu corpo (o que dá para ver pelo comportamento)? Daí dá para ver o que chama a atenção. Procure, por exemplo, saber o que da cultura pop eles tem consumido: cinema de super-heróis? Música hip-hop? Quais videos do Youtube fazem sucesso? Quem são os seus influenciadores preferidos e porquê? A boa: não preciso entender nem consumir tudo isso, apenas entender o porquê eles consumem e tentar um gancho com o que preciso dar em aula.

Não digo que é fácil. Mas ao convidá-los a falar um pouco (sim, um pouco, pois temos que dar aulas) sobre como investem seu limitado tempo, como se comportam e o que lhes chama a atenção, podemos fortalecer, alterar e inventar novas maneiras de chegar neles. Está funcionando com os aplicativos. Pode funcionar com a gente.

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