70 Anos da TV Brasileira: Outras Telas - Episódio #10 - TVs de brasileiros no exterior

Em Massachusetts, Brasil com S foi o primeiro programa para brasileiros: momento saudosista no encerramento da série dos 70 de outras telas da TV brasileira

Precisa estar no Brasil para fazer televisão para brasileiros? Neste último episódio sobre as sete décadas da nossa TV, as TVs de brasileiros para brasileiros que moram no exterior. Não, aqui não se trata das experiências da Globo ou Record internacionais, pois para isso basta acessar a história que quer simplificar a televisão no Brasil somente às TV comerciais e estatais. Como escrevemos nas últimas nove semanas, a história de nosso maior veículo de comunicação é muito mais rica que os videos autopromocionais das emissoras comerciais. É essa diversidade que fez de nossa televisão um reflexo tão diverso quando a cultura e as formas de organização social de nosso povo. Mas, de partida, já vou pedir desculpas por um relato um tanto personalista, mas é o pouco que conheço do que foi produzido lá fora para nossos conterrâneos. Em minha defesa, no entanto, posso dizer "meninos, eu vi e vivi". E onde tudo começou, inclusive esses artigos.

Porque comecei a fazer televisão quando vivi em Massachusetts/EUA nos anos de 1989 e 1990. Framingham, Marlborough, Hudson, cidades onde morei, próximas a Boston, tinham uma grande comunidade brasileira. Só Marlborough tinha mais de cinco mil. Em Framinghan, é comum, inclusive, candidatas a vereadoras e até a prefeita da cidade

Até onde sei (o que não é muito), estreei o primeiro programa brasileiro de televisão do estado. Obviamente, não posso dizer o mesmo do restante dos EUA. Ainda mais que, naquela ocasião, já ouvira que a comunidade brasileira na Flórida era bastante animada e é bem possível que tivessem uma iniciativa igual. Mas ter o pioneirismo na costa do nordeste já estava bom para mim.

Foi na Cablevision, operadora de TV a cabo, conglomerado poderoso, uma espécie de NET daquelas bandas. Não foi por bondade da empresa.  A legislação que embarcaria no Brasil quando da nossa Lei da TV a Cabo obrigava as operadoras locais a manter, gratuitamente, um canal para uso das comunidades onde o seu sinal é veiculado. Abaixo do equador, no entanto, a criatividade de transformar algo de bom em ruim funcionou e quebramos as pernas da intenção social quando a obrigatoriedade ficou apenas na disponibilização de um canal. Porque, nos EUA, a operadora era também obrigada a manter um estúdio, com câmeras, ilhas de edição e funcionário à disposição. E a TV a cabo, nos centros urbanos norte-americanos, é tão presente nas casas como a TV aberta é para nós. 

Daí, ao zapear, num domingo, encontro o empresário português Joe Barrios conversando com sua 'correspondente' brasileira, Rosa Maria Cavaliere que, por telefone, fazia um resumo das notícias do Brasil. Agora, imagine: em um país estranho, com uma certa tendência a xenofobia, oprimidos por uma língua desconhecida e um estilo de vida desagregador, escutar alguém, na televisão, falando o seu idioma, e sobre assuntos de sua casa? Era de um impacto delicioso. Ainda por cima, o Brasil passava por um momento, ao mesmo tempo histórico e empolgante, ao mesmo tempo assustador: a primeira eleição presidencial após a abertura democrática, e que iria jogar para escanteio todos os grandes figurões da política tradicional e colocar, no segundo turno, um até então apagado político alagoano (Fernando Collor) e um sindicalista (Lula)? Pode supor os sentimentos contraditórios daqueles que viviam a sete mil quilômetros de distância da sua casa, vivendo,e mantendo suas famílias, com dólar?

Percebe-se o papel de um verdadeiro veículo de comunicação social em momentos como esse? Com 25 anos, eu estava certo de que podia mudar a vida dos meus compatriotas. Bati na porta da TV cheio de ideais, conversei com Joe, que foi claríssimo: tudo ali era voluntário, mas eu podia fazer o que quisesse. Ele era o único a se interessar pela ocupação do canal (desinteresse que também aconteceria nos canais semelhantes no Brasil). No Canal 29 passava desde programas cedidos por emissoras portuguesas até videos caseiros com batizados. Ele gostava muito do Brasil (por isso o seu programa de domingo abria esse espaço) e, claro, quanto mais, melhor.

Fala sério! Essa era uma TV que eu queria trabalhar. Entendeu meu carinho pelas outras telas? Foi esse tipo de televisão que me levou ao meio e que, de certa forma, numa mais saí (tanto é que estou aqui, escrevendo sobre!). Veja bem, eu nem gostava de TV! Quer dizer, minto descaradamente! Amava, como ainda amo, assistir TV. Mas, em 1989, com menos de três anos de formado em jornalismo, ainda estava impregnado de Fafich. Explico: Fafich é a Faculdade Filosofia e Ciências Humanas da UFMG onde, já naquela época, gritava-se 'Fora Globo' (para entender melhor a aversão, obrigatório ver o clássico Muito Além do Cidadão Kane, de Simon Hartog, documentário inglês, de 1993, que virou uma espécie de catarse da minha geração de jornalistas). Como a Globo era muito mais hegemônica do que é hoje, virou sinônimo de televisão e, portanto, toda TV era um veículo vendido e manipulador, instrumento do capitalismo selvagem e opressor das massas. Jornalista que quer ser jornalista nunca deve trabalhar para TV. Bom mesmo era trabalhar em jornal impresso. O que, por sinal, fui fazer no interior de Minas, antes de fazer a América, como milhares de outros mineiros.

Tenho saudades da juventude, não pelas questões físicas, mas pela autoestima. Meu primeiro programa já vinha com a soberba de se intitular Comentários de Cláudio Magalhães. Eram complementos críticos sobre as notícias que Joe e Rosa Maria falavam, com a prepotência comum de um jovem (mas, acertei algo, pois, ao rever as fitas para escrever aqui, vi anunciado o desastre que seria o Collor... no que certamente não estava sozinho naquela ocasião). Me empolguei e criei o Brasil com S, onde exercitei a recém veia social descoberta. Trouxe uma série de brasileiros residentes e em postos chaves para, simplesmente, tirar os medos de que os brasileiros convivam. Foram entrevistas com médico (explicando como acessar os postos de saúde e terem diagnósticos corretos, apesar da língua estrangeira), policial (não se deixassem oprimir por policiais racistas), assistente social e advogado (como e onde procurar ajuda), orientando como ter acesso aos serviços sociais e não ter receio de serem deportados, tendo ou não documentos falsos.

Claro que não bastava. Artistas brasileiros iam tocar no programa, entrevistas com os artistas nacionais (incluindo a gravação e reprodução dos seus shows) que se apresentavam na região, como Beto Guedes e Leo Jaime, além de documentários como o Pequenos Brasis, sobre as muitas pequenas lojas de brasileiros, mostrando o empreendedorismo da turma. Até arrisquei em um programa humorístico, com a criação do Zé Brazuca, que reunia as piadas que os brasileiros contavam sobre si mesmo. Brinco que fiquei mundialmente famoso em Malborough!

Toda essa novela para contar que, portanto, há televisão brasileira fora do Brasil, não só as extensões milionárias das emissoras comerciais. E que casos como o meu não são únicos, embora possam ser raros. Porque essas TVs estão por aí, pelo planeta, não em grande número, mas existentes, ainda mais com o surgimento na internet e a facilitação com os equipamentos de produção audiovisual. Em rápida pesquisa, já dá para descobrir uma recente TV da Gazeta Brazilian News, um jornal da comunidade brasileira na Flórida (viu?) há 26 dando notícia dos brasileiros para os brasileiros. O jornalzinho que eu contribuia em 1989/1990, o Brazilian Times, ao que parece, virou uma potência (e anuncia que os brasileiros fizeram um deputado estadual na última eleição), mas, embora tenha muitos videos, não tem uma TV. O site, no entanto, anuncia que igrejas evangélicas produzem programas para serem veiculados nas emissoras locais. Há também, nos EUA, a US Brasil TV, na internet, voltada para o brasileiro. Sim, são todas emissoras comerciais, mas as encaixo no mesmo segmento de TVs locais, que lutam para fazer televisão, e são solenemente ignoradas na história da nossa comunicação social.

O Itamaraty até tem uma parte que indica(ria) onde ficam a mídia brasileira no exterior, mas confesso que todos os links que tentei e que remetia a uma 'TV' (foram muitos, mas não todos) não deram em nada (apenas me ofereciam para comprar os endereços). Mas acabei por descobrir uma TV na Europa, o Canal de Londres, para os brasileiros que moram na capital inglesa. Obviamente, não dá para confiar apenas nesses dados. Deve ser exemplos de outras por aí. Se você tiver notícia de alguma TV brasileira para brasileiros no exterior, pode informar nos comentários que acrescento aqui.

Importante, ao final dessa série, é ratificar a diversidade da televisão brasileira no percurso dos seus 70 anos. Acho muito mais bonito pensarmos nessa variedade de tipos de TV, apresentadas nesses episódios, do que só na interessante e rica, mas insuficiente, trajetória das TVs comerciais e estatais brasileiras. Que com as novas tecnologias, possamos dar mais visibilidade para essas e outras mais que possam surgir. Com a internet e a TV Digital não há mais a desculpa de restrição de espaço, e as inúmeras telas e meios de transmissão são o não limite. Que possamos exercitar esse dom nacional que, espero ter provado, é o de fazer televisão, não importa como, nem onde, e nem quanto custa, mas com uma paixão que engloba quem idealiza, quem faz e quem assiste. É um desperdício não comemorarmos isso nos 70 anos da TV brasileira. Que não aconteça nos próximos 70.

Foto em reportagem na Veja: quando também fiquei mundialmente famoso na minha família. Crédito: Rob Crandall

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