Os jovens estão doentes. Não tristes!

Jovens em sofrimento mental é a epidemia dos novos tempos. Foto: Emily Wills - Pixabay

Você conhece alguém que tirou sua própria vida. Ou alguém que conheceu alguém próximo. Era um/a jovem. E foi recentemente. Pois é, isso não é normal. Embora esteja parecendo. Repito, não é normal, não se acomode pensando que é. É um deprimente fenômeno novo. Preste atenção!

Os números estão por aí: no mundo, é a segunda causa de mortes entre 15 e 29 anos. Hoje, morre-se mais por conta própria (800 mil/ano) do que pela mão de outro (600 mil/ano somando todas as guerras e crimes). Mas números, embora alertem, correm o risco de desumanizar o problema. Olhe em torno: compare os últimos anos com dez anos para trás. É bem provável que vai perceber a alarmante diferença de notícias de jovens que desistiram.

Não, não é normal. A juventude é justamente a fase da vida que mais de celebra a vida. São litros de hormônios circulando pelo corpo, empurrando para, finalmente, viver sua própria história, inundando o cérebro de estímulos que ampliam suas experiências cognitivas. Uma humanidade que sempre valorizou a juventude como a fase da ousadia, da experimentação, do descobrimento, da reprodução física e cultural, do viver intensamente, enfim. O que está acontecendo?

Recentemente, o que começou para mim como uma brincadeira, virou caso sério: apliquei nos meus alunos de graduação em Comunicação uma versão do famoso questionário da Universidade da Califórnia que mede a Escala da Solidão. Para a minha surpresa, afinal em um curso de comunicação supõe-se que, de todos os problemas que os jovens enfrentam, a solidão não seria um deles, 16% dos estudantes estava próximo ou acima da linha que os especialistas dizem ser a porta de entrada para a depressão (que, da sua parte, é o motor principal do suicídio). Parece pouco, foi uma turma só e, portanto, tem zero relevância enquanto levantamento científico, mas é impossível de não se perturbar ao pensar que, caso esse resultado se repetisse em uma escola com mil alunos, teríamos ali 160 jovens precisando de ajuda.

Mas minto ao dizer que fiquei totalmente surpreendido. Pelo menos uma aula por semestre tenho aberto um debate com os alunos sobre, afinal, o que eles têm sentido. São tristes os relatos: são jovens de classe média (do alto e baixo espectro financeiro) que, mesmo tendo a comunicação como um valor, estão sofrendo muito para se colocarem em comum, que é o que significa a origem da palavra comunicação.

Mas não é difícil entender. Tenho horror por comparações saudosistas ("ah, no meu tempo..."), mas aqui compensa pensar que as gerações anteriores tinham uma grande diferença em, ao menos, um aspecto: as referências de sucesso. Como seres gregários, temos a necessidade de referências, quem podemos nos identificar, hoje, ou seguir como farol exemplar para nos guiar para o amanhã. Desde sempre, esse papel foi feito por deuses, no início, etéreos, depois mais terrenos. Familiares e educadores, no círculo interno, e, no externo, celebridades (da ciência, das religiões, da cultura pop), foram utilizados desde para "quando eu crescer, eu quero ser assim" até para consumir cigarros. A comprovação de que nossas metas são traçadas pelo exemplo do outro.

Então, em um mundo que o que não faltam são celebridades, qual o problema? Aprendi a responder isso escutando os jovens: o sucesso hoje parece fácil, qualquer um pode ser um famoso influencer digital, abrir uma startup e ganhar milhões em poucos meses, conseguir realizar seus sonhos românticos nos aplicativos de encontros, e resolver suas questões cotidianas (como transporte coletivo, comida, aprendizagem) com uns toques no smartphone. Portanto, o esforço não é mais uma variável para o sucesso. (Atenção, se terminar de ler o texto aqui, terá uma falsa impressão de que concordo com isso! Prossiga e verá que é justamente o contrário).


Sim, os meus ídolos morreram de overdose. Mas o que une esses que se foram com aqueles que ficaram é que não há dúvida pelos fãs que todos tiveram que trabalhar duro para chegar onde chegaram. E que a overdose aconteceu justamente pelo excesso. O que faltou a eles não foi esforço para serem o que eram, mas, provavelmente, por acreditarem que precisavam de mais, e não estavam dando conta.

Segundo o relato dos meus alunos, hoje o processo é inverso: todos os dias, ao abrirem suas redes sociais, a impressão é que não é preciso esforço, pois aquele garoto fez sucesso no YouTube da noite para o dia. Aquela startup que surgiu com alguns estudantes no início do ano já foi vendida por milhões para um conglomerado. Alguém mudou seu perfil para "em um relacionamento sério" depois de um encontro via Tinder. E se cobra porque ainda não andou de patinete para sair da escola para o ponto de ônibus (quando fazia o mesmo trajeto a pé recentemente).

Porque esse é o problema: eles se cobram o tempo todo, pois acreditam que o problema está neles. Se qualquer um pode alcançar o sucesso na internet, resolver sua vida amorosa e ainda ser moderninho, ora, então sou eu que sou um incompetente! Pessoal, com 20 anos, convenhamos, todos somos incompetentes! Portanto, a diferença para eles é que, se as gerações anteriores poderiam se sentir frustados com sua vida, isso iria acontecer bem mais tarde, quando percebessem que seus sonhos de juventude, e os meus ídolos referenciais, não eram tão factíveis assim, e que o mundo real é um tanto mais complexo. Mas, daí, tudo bem, a maturidade serve justamente para balancear as coisas e emplacar um "ah, quando se é jovem, a gente sonha muito...".

Hoje não é permitido aos jovens sonhar: o que lhes chegam no Whatsapp e no Instagram é algo como "olha uma pessoa igual a você ganhando muito dinheiro e fazendo sucesso, e você aí, não dando conta nem de fazer o trabalho de escola!". E tais 'mensagens' são massacrantes, pois, diferente das gerações anteriores, que nos eram expostas a partir da nossa demanda (quando eu via TV, ia ao cinema, comprava uma revista), os símbolos de sucesso os despertam com um sinalzinho de alerta do aplicativo, invadem sua linha do tempo sem pedir para entrar, são o assunto do grupo da escola... Se antes a culpa do jovem dependia da repreensão do adulto, dos valores religiosos, hoje ela é construída por ele mesmo ao se comparar com outros com o mesmo suposto perfil.

Pois bem, o que temos que fazer? A cada momento, a cada oportunidade, dizer: não é assim como você pensa, o esforço continua sendo a principal chave para a realização pessoal! Ponto! O que você vê na internet é uma conjunção de fatores que levaram aquele sujeito aonde ele está: uma mistura sem fórmula certa de oportunidade e oportunismo, necessidades comerciais de um segmento em um determinado momento, investimentos que vieram de algum lugar, um tanto de sorte, algum (ou muito) esforço da pessoa e um pouco de talento (esse que só vale se mantida a velha máxima de que o sucesso se compõe de 10% em inspiração e 90% de transpiração).

E que para cada influencer de sucesso, mil gravaram seus videos achando que virariam o youtuber do momento e ninguém viu! Só que a gente não fica sabendo dos fracassos porque, justamente, ninguém viu! E para cada startup que fez sucesso, outras milhares não sairam nem do TCC que foi feito na escola! Mas ninguém anuncia no Facebook "olha, abri um negócio digital, mas não rolou!" (só quando o empreendedor brilha posteriormente, e se orgulha de dizer que quebrou três vezes antes, para mostrar sua persistência).

O cérebro do jovem acaba de se formar aos 20 anos! É muito cruel exigir que ele já faça sucesso quando sequer suas capacidades cognitivas estão em pleno funcionamento. Assim, cabe a nós, educadores e pessoal jovem a mais tempo, 'dar uma real' nessa rapaziada, escutando-os, ponderando com argumentos racionais e razoáveis, falando coisas do tipo "o que você vê é a pipoca, o filme da vida é mais complexo, depende de muito mais personagens e cenários, e você só agora está passando para a faixa etária que vai entender o enredo". Mostre como essas celebridades são efêmeras. É fácil, pergunte sobre os ídolos de cinco anos atrás e onde estão hoje. Se sobreviveram ao moedor de carne midiático, um Cristiano Ronaldo, será a chance de ilustrar ainda mais o argumento. "Sem disciplina, o talento não serve para nada", é uma das suas frases. Outro dia, vi uma entrevista que disse algo como "sei que sou muito bom no que faço, mas seu eu não trabalhasse duro todos esses anos, não estaria aqui conversando com você."

E não tenha receio de dizer coisas do "seu tempo". Nas conversas com os alunos, escutei muito deles comparações do tipo "no tempo do senhor". Eles valorizam isso, e sabem que as referências eram de grandes personalidades. "Para nós, quem é a pessoa de sucesso é um jovem como eu e me sinto um incompetente por não ser igual a ele". O recado para mim é que nós ainda somos guia, que eles ainda precisam de gente apontando a quem devem se espelhar, e que algum momento lá atrás caímos na armadilha de acreditar que, já que estão todos grandes, cheios de informação e atitude, já são independentes, podem "se virar sozinhos". Ora, eles ainda tem uma parcela grande de imaturidade e precisam de direcionamento, mesmo que a contragosto (o que, por sinal, hoje e ontem, sempre foi a marca da adolescência: não quero te escutar e te escuto assim mesmo).

Vamos relembrar outras dicas importantes para ajudar os jovens que, como dito, ainda estão na fase final do seu desenvolvimento cerebral e, passando razoavelmente bem por essa fase, diminui bastante o surgimento de sofrimentos mentais:

1) Sim, no nosso tempo, exercícios físicos era do cotidiano: jogávamos bola, vólei, quando possível, nadávamos nos clubes, e caminhávamos, caminhávamos muito de um lado para o outro. Exercícios são peça chave para o desenvolvimento cerebral! É preciso incentivar isso.

2) Estudar e ler não é só para a escola. O cérebro precisa de desafios constantes para pegar o jeito, para entender que nada acontece por um motivo só. O pensamento sistêmico é fruto de exercício de imaginação, que só acontece se for desafiado a ver além da caixa. Inverta o sofrimento de quando eles eram crianças e, agora, a cada questão, pergunte para eles; "porque?". "Porque uns fazem sucesso e milhares de outros não?". "Porque essa startup foi criada hoje e não há três anos atrás?". Incentive a estudar e ler sobre o que gostam, mesmo que não seja a mesma coisa que você, e os desafie a tentar fazê-lo mudar de ideia.

3) Não há solução para a Humanidade que não passe pela convivência, seres gregários que somos. Pergunte quantas vezes por semana se reuniu com gente em forma presencial e trocou ideais. Que tal propor um dia off das redes e um dia on com as pessoas?

4) É inegável: eles tem muito mais bits de informação em 24 horas que nós tivemos em um semestre de estudo na idade deles. Portanto, sim, eles precisam dormir. É quando o cérebro processa as informações do dia e fazem fazer sentido para a vida deles. Quando menos sono, menos tempo para o processamento e mais soluções fáceis ("sucesso x incompetência", "esquerda x direita") parecem ser a resposta.

5) A rapaziada tem a ideia de que auto-análise é algo místico, de hippie, ou velho, ou para doido (e isso puxou da nossa geração!). A velocidade da vida não dá tempo para parar e meditar, pensar sobre si mesmo, avaliar como foi o dia e o que foi sofrido e o que foi conquistado. Afinal, qualquer pausinha é um tempinho para atualizar as redes sociais. E as mensagens de reflexão já chegam prontas em figurinhas! Se o jovem não dá conta de fazer sozinho, converse com um chegado (presencialmente), com um adulto e, em caso de maior necessidade, um profissional. A maioria das escolas já conta com serviços assim, gratuitamente. Se não rolar, sempre um educador tem uma indicação. Mas é preciso um tempo para olhar para dentro, já que o mundo atualmente só convida para olhar para fora.

6) Não despreza-se sinais. Mudança de comportamento, tristeza, isolamento, nada disso é compatível com uma espécie gregária, que depende do outro para realizar-se. Baixa auto estima costuma trazer também baixa imunidade e doenças supostamente banais, como gripes e alergias, mas se diferenciam porque nunca melhoram. Em doenças de sofrimento mental, os sinais costumam ser difusos, o que realça a necessidade de se prestar ainda mais atenção para alguém que precisa de ajuda.

E lembremos sempre: são jovens, e por mais que tenham barba, seios, vozes de adulto, são maiores que a gente, brigam, revoltam-se, têm perfil no Instagram e se viram sozinhos em uma pá de coisas, ainda sim são sujeitos com grandes necessidades de cuidados e atenção. Seus sofrimentos mentais são também de nossa responsabilidade, e temos maturidade para ajudá-los.

Comentários

  1. Oi Professor Cláudio, excelente texto, que retrata muito bem o mundo que estamos vivendo! Muito obrigado aprendi muito!

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  2. Eu que agradeço a generosidade de sua análise. Volte sempre!

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