Dicas de Leitura Vintage: Mulheres fantásticas dos Séculos XIX

 


Já escrevi antes que a Coleção Folha – Clássicos da Literatura Luso-Brasileira tem me escancarado um outro mundo literário. E uma dessas portas são as autoras fantásticas que passaram ao largo das minhas cinco décadas de leitura. Logo eu, um apaixonado pela literatura utópica, matriz da ficção científica que adoro, desconhecer Emília Freitas, cearense pioneira na literatura fantástica no fim do Séc. XIX e sua obra mais famosa, "A rainha do Ignoto", considerada o primeiro romance do gênero no Brasil. Emília - já devia ter desconfiado com esse nome de boneca brasileiríssima e o mesmo da minha mãe – fez ainda muito mais que os clássicos utopistas Thomas Moore (“A Utopia”) e Jonathan Swift (“As Viagens de Gulliver”). A sua Ilha do Nevoeiro era exclusivamente comandanda por mulheres – os homens tinham um aspecto bem secundário, quando não só de bobos mesmo – e tinha como uma das suas missões salvar mulheres oprimidas (e as descrições das opressões não são leves e são tristemente atuais).  Se você é um homem, ou está numa familia machista, cuidado com as Paladinas do Nevoeiro!


É mesmo impressionante o quanto a sociedade patriarcal faz estragos por todos os lados, e o avanço dos casos de feminicídios em pleno Séc. XXI mostra que precisamos continuar no combate contracultural. O triste é percebermos que o esfacelamento também é temporal, com o apagamento de manifestações culturais que já brigavam contra o machismo estrutural, como autoras dos séculos passados e que chegaram até ter relevância em seu tempo, mas foram apagadas da disciplina de Literatura Portuguesa.

Na mesma toada estão Júlia Lopes de Almeida e Délia, pseudônimo de Maria Benedita Bormann. A primeira, de acordo com nota do escritor Sérgio Rodrigues, foi tão famosa em sua época que é considerada uma das fundadoras da Academia Brasileira de Letras, em 1897, mas que teve sua inclusão extirpada em troca pelo, ora, seu marido, o inexpressivo poeta Filinto de Almeida, que, nascido em Portugal, nem era brasileiro! Levaria mias 80 anos antes de uma mulher assumir uma cadeira, com Rachel de Queiroz. Júlia se vingava bem, como no lido “A falência”, que detona a burguesia no início da República chefiada por homens bestas e corruptos, numa história bem atual de gente que come caviar e arrota mortadela. 

 

Maria Benedita Bormann, a Délia, teve um “reconhecimento modesto” na sua época, conforme o jornalista Naief Haddad, o que nos anos 1880 já era algo inusitado para uma mulher. “Uma vítima” pode parecer, à primeira vista, um romance de José de Alencar, com uma mulher sofredora pelas armadilhas do destino. Mas é justamente o contrário! Sua Lúcia tem pouco de romântica clássica e é uma jovem pragmática, que vê a inocência como um problema, e que, mesmo no sofrimento, sabe administrar os toscos e corruptos homens que lhe cercam. Fiquei curioso pelo seu outro romance, que tem o sugestivo nome “Lésbia”, publicado em pleno 1890. Não à toa a moça precisava de pseudônimo!

 

Por fim, “As Pupilas do Senhor Reitor”, embora tenha sido escrito pelo português Júlio Dinis, é uma ode às mulheres portuguesas do Séc. XIX, ou melhor, à todas as mulheres. Clara e Margarida formam uma dupla que almoça e janta os estúpidos homens de seu (todos?) tempo. Mesmo o Sr. Reitor dança conforme as complexas personalidades das moças, duas apenas das outras divertidas e interessantes mulheres do romance, como a hiperativa Joana, a fofoqueira Ti Zefa e a casamenteira fracassada Da. Tereza.  Os homens são tão irrelevantes que sequer têm aqueles sobrenomes de romances clássicos: um é o José das Dornas, o outro o João da Esquina, e terminamos o livro sem nem saber como se chama o senhor reitor.

Diversão pura, com bastante educação sobre mulheres para quem tiver a cabeça aberta e o machismo expurgado.

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