Meus encontros com Augusto Comte e a perda da fé na Humanidade.

Túmulo de Comte: restaurado depois de tanto dar reviravoltas. Foto: Dânia de Paula

Tenho encontrado o multiólogo Augusto Comte com frequência. Confesso que o francês, que viveu entre 1798 a 1857, não é exatamente do meu círculo de amizade mais próximo. Mas temos cruzados nossos caminhos nas últimas semanas e, pessoal, o sujeito anda com a auto estima lá pra baixo!

Os encontros tem sido fortuitos. Recentemente, visitei seu repouso eterno no famosão cemitério Le Père Lachaise, em Paris. A necrópole, onde se hospeda com inúmeros outras figuras ilustres, é mesmo triste de se ver, se não pela razão porquê existe, mas também por, majoritariamente, as sepulturas das celebridades históricas estarem muito deterioradas, mostrando um certo descaso. Surpreendentemente, ao ir homenagear o que muitos consideram o pai da Sociologia, vejo que sua morada foi recentemente restaurada. Fiquei sem entender o porquê, mas o meu próximo encontro com cara que ensinou a humanidade a pensar melhor me deu uma luz: provavelmente, de tanto se revirar no túmulo, ficou em tal estado que alguém teve que arrumá-lo rapidamente.

Ao voltar ao Brasil, me deparei em preparar uma disciplina que travava sobre comunicação, cultura e sociedade. Olhaí o moço se apresentando! Faço aqui outra confissão, a do porquê algumas das minhas reservas com o sujeito. Reconheço demais a importância de suas contribuições, e, de fato, é uma daquelas pessoas que, sozinhas, parecem mudar o rumo da humanidade. Se hoje vou ministrar a tal disciplina, e, com ela, pagar os boletos, valeu Augusto! O Positivismo, que criou e que mudou o mundo, nos ajudou a olhá-lo com mais objetividade, e isso com mais cuidado, tirando variáveis difíceis de serem mensuradas, que nublavam nossa razão, coisas que vão de Deus a cueca da sorte.

Uma das inúmeras consequências do Positivismo foi reforçar a criação dos castelos do saber, os tais campos do conhecimento. Químicos estudam química, matemático estuda matemática, sociólogo estuda a sociedade. Vamos combinar que isso ajuda demais quem precisa fazer um currículo na escola. O problema é quando não dá para caber no tal castelo. Na Comunicação, por exemplo, até hoje nós não temos um castelo para chamar de nosso. Com isso, a burocracia do Ministério da Educação, aqui e em outros países, não a reconhecem como área de conhecimento, o que gera consequências problemáticas e pragmáticas. Como a falta de um 'centro de custo', menos editais,  linhas de financiamento de pesquisas, revistas especializadas com qualificação elevada, desprezo das outras áreas científicas, que nos encaram como instrumento, não a prática social humana que viabiliza todas as demais.

Ou seja, a Comunicação está num limbo acadêmico, mesmo depois da Igreja Católica ter anunciado que não existe mais limbo. Daí minha birrinha com o Comte. Eu sei, é bem paroquiana. Por isso, retorno a humildade de onde nunca deveria ter saído, reconheço que sua contribuição à emancipação da ciência foi muito maior, e que não há aporte de um lado que não cause desamparo em outro. Assim caminha a humanidade, certo, Augusto?

Pois é, quando fui conversar com o moço para retornarmos à amizade, relembrei-me da sua Lei dos Três Estágios, pelas quais passamos para entender o mundo. Em resumo, primeiro procuramos a resposta em uma figura mística, superior. Depois, substituímos tal figura por forças abstratas. Por fim, aí sim, conseguimos chegar ao ápice de nossa evolução do entendimento quando nos concentramos nas observações científicas. Não é coisa só de cientista. Fazemos isso como metodologia cotidiana. É mais ou menos assim: "Ai, meu Deus! Acho que vou morrer.... putz, foi aquela feijoada que comi!"

Augusto Comte era um romântico, e sua história de vida, com amores e humores exagerados, típicos dessa nossa categoria humana, mostra isso. Portanto, nada mais natural que ele possa confiar que somos uma espécie naturalmente voltada para o progresso. Daí, ele elencar que, para a gente chegar ao nosso total potencial, e cioso de sua própria lógica racional, bastava galgar esses degraus delineados pela Lei dos Três Estágios. À princípio, faz todo o sentido. Até a gente enquanto criança passa por eles: idolatrando os adultos como deuses, depois entendendo as regras do mundo como leis inalteráveis e, ao observá-las e experimentá-las, aprendemos como se adaptar e avançar pela existência. Levamos tal metodologia para a vida adulta, como na frase caricata do parágrafo anterior.

O que Comte não contava era que a gente podia descer os degraus! Só para usarmos o exemplo brasileiro (há, também, pelo mundo afora, como o Brexit, Trump, entre outros): paramos de considerar a nossa razão, a observação científica, negando dados crus, colhidos, analisados e ratificados pela ciência, primeiro descendo ao conjunto de políticos e magistrados elevados à categoria divina e, posteriormente, retornando ao "Deus acima de todos". Recentemente, o aumento dos incêndios na Amazônia mostram essa trajetória no discurso do governo e amigos: abandona-se os dados científicos, culpa-se as forças de entidades abstratas de conspiração e as forças da natureza que, puxa, fez com que todo agosto seja um mês de queimadas! Aguarde: o próximo pronunciamento para resolver o problema será pedindo chuva a Deus!

Coitado do Comte, o sujeito que tinha tanta fé na gente que achava que até merecíamos ser nossa própria igreja. Para quem imaginava que à humanidade basta-lhe amar, construir uma ordem racional e, por fim, colher seu progresso, não é a toa que olhar como estamos andando para trás com velocidade estonteante seja motivo suficiente para revirar-se no túmulo a ponto de exigir-lhe retífica. Tente descansar em paz, Augusto, porque aqui está difícil ser positivista....

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