Escrita cursiva está condenada pelas tecnologias?
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Por um lado, eu mesmo recomendo aos meus alunos que façam anotações das aulas, pelos mesmos motivos elencados na análise: ajuda a tirar o cérebro da sua região de conforto e, com a incompletude da escrita, força os alunos, na releitura, completar com os seus sentidos próprios. A soma desses (e outros fatores), auxiliam na fixação do conteúdo.
Mas é óbvio que as novas tecnologias estão para ficar e que, consequentemente, nunca se escreveu tanto na humanidade. É uma armadilha ou uma oportunidade? A Finlândia - que, convenhamos, não costuma brincar com a educação -, já está limando a escrita cursiva, como já comentado aqui.
Não acredito que toda tecnologia deve chegar e pronto, baseada no argumento de que melhora a vida das pessoas e suas consequências são inevitáveis. Um bom exemplo são as bombas de gasolina operadas pelos próprios motoristas, muito usadas nos EUA. Ora, aqui no Brasil tal tecnologia cria um grande problema social, dado que a baixa capacitação dos jovens os condenam a empregos sem qualificação, entre eles os de frentista. Portanto, sem resolver aquela questão, a tecnologia só é danosa.
Mas, como último contra argumento, por mais que se esperneie, algumas dessas relações de tecnologia vão 'furar' esses bloqueios sociais, movidos pelas inevitabilidades dos novos tempos (Uber X Taxi é um bom exemplo). Neste sentido, lutar contra isso seria atrasar e prejudicar justamente quem se quer proteger.
Viu? Não sei mesmo! Mas as minhas posições antagônicas foram reforçadas pela ótima análise abaixo de Stephen J. Dubner e Steven D. Levit:
Análise: Quem ainda precisa de escrita cursiva?
Por Stephen J. Dubner e Steven D. Levitt- UOL Notícias - 27/2/2016
A escrita cursiva está em declínio incontestável. Cada vez menos pessoas entre nós, jovens e velhos, fazem uso de caneta e papel. Uma pesquisa de 2012 pela empresa de correspondência por cartas Docmail apontou que 1 entre 3 britânicos não tinha escrito nada substancial nos últimos seis meses.
O ensino de escrita cursiva está desaparecendo rapidamente das escolas primárias americanas. Enquanto isso, mensagens de texto e e-mail há muito superaram a velha e enfadonha carta como nosso método preferido de comunicação por escrito (fora os bilhetes de agradecimento e cartas de amor, é claro).
Uma mudança dessas tem consequências sérias; afinal, a forma como nos comunicamos afeta quase todas as partes de nossa cultura. Logo, será que estamos perdendo algo essencial à medida que a escrita cursiva desaparece lentamente?
A resposta breve é sim –e uma das perdas pode ser nossa capacidade de processar nova informação de forma eficaz.
Se você é estudante ou jornalista, o uso do notebook ou de algum outro dispositivo digital para fazer anotações apresenta vantagens claras: é mais rápido, é claro, e você também pode reproduzir as aulas ou entrevistas quase literalmente. Também é mais fácil para sua mão.
Mas as vantagens do teclado estão diretamente ligadas a uma grande desvantagem: a facilidade de digitar torna mais difícil retermos informação, isso segundo uma recente série de estudos por Pam Mueller, uma estudante de pós-graduação em psicologia social em Princeton, e Daniel Oppenheimer, um professor da Universidade da Califórnia, em Los Angeles.
Em um estudo, Mueller e Oppenheimer pediram a estudantes universitários que assistissem vídeos das conferências TED (Tecnologia, Entretenimento e Design, série de conferências sem fins lucrativas patrocinadas pela fundação Sapling) e então lhes apresentaram perguntas sobre o conteúdo das palestras, algumas baseadas em fatos, outras mais conceituais.
Um grupo de alunos fez anotações em notebooks enquanto assistia os vídeos, outro as fizeram de modo manuscrito. Ambos os grupos se saíram igualmente bem nas perguntas factuais, mas os que fizeram anotações de forma manuscrita se saíram muito melhor nas respostas às questões conceituais, apesar dos usuários de notebooks terem realizado 50% a mais de anotações.
Por que isso acontece? Mueller explica que a dificuldade de escrever à mão, sua lentidão e esforço, força um maior engajamento de nosso cérebro. Ao escrevermos com uma caneta, somos incapazes de anotar tudo o que vemos e ouvimos, de modo que temos que digerir o material à medida que avançamos, escolhendo no que nos concentrarmos, resumindo certos pontos, traduzindo outros, e, em consequência, acabamos processamos a informação muito melhor.
"Existe essa coisa de dificuldade desejável", Mueller disse a Stephen Dubner. "Ter um pouco de dificuldade quando se está tentando aprender algo é na verdade benéfico e as anotações manuscritas contribuem com isso para nós."
A reprodução literal de palestras em um teclado, por outro lado, é simplesmente fácil demais e nossas mentes tendem a se desconectar. O que, quando se dá um passo para trás, é uma visão angustiante: uma nação de estudantes em piloto automático, atirando a esmo em seus notebooks.
Há, é claro, outra forma de ver isso. E se o declínio da escrita cursiva pudesse melhorar a experiência em sala de aula, ao nos libertar da tirania da caneta e sua associação inadequada à habilidade intelectual?
Anne Trubek é uma cética da escrita cursiva. Inspirada em parte pelas dificuldades épicas de seu filho com a caligrafia (ele escrevia os Gs ao contrário), que acabaram forçando sua transferência para uma escola particular, Trubek passou a acreditar que o sistema de ensino americano perde tempo demais enfatizando a instrução da escrita cursiva, dado os recentes avanços na tecnologia e o fato de tão poucas pessoas precisarem depender dessas habilidades mais adiante na vida.
Para Trubek, uma professora de inglês da Faculdade Oberlin e autora do ainda não lançado "The History and Uncertain Future of Handwriting" (a história e futuro incerto da escrita cursiva, em tradução livre), é hora de os americanos descartarem a noção de que uma boa caligrafia esteja de alguma forma ligada à inteligência, virtude e expressão artística. Nós devemos abraçar as possibilidades democráticas da tecnologia digital. Fazê-lo nos permitiria parar de rotular os alunos com caligrafia ruim, como o filho de Trubek, como sendo incapazes de grandes realizações educacionais.
À medida que os teclados tomam conta das salas de aula, nivelando o campo de jogo para todos, nós podemos deixar a caligrafia ao seu destino. "Ela se tornará mais uma forma de arte (...) e será mais vista como uma boa habilidade motora", disse Trubek para Dubner, imaginando um futuro não muito distante onde o ato de escrever em um papel com caneta terá "uma sensação retrô bacana" como a daqueles que usam máquina de escrever hoje.
Independente do que se pense do principal argumento de Trubek –de que a escrita cursiva não tem ligação especial com a inteligência e criatividade– é crucial vê-lo no contexto do declínio mais amplo da escrita cursiva que, independente de estudos como os de Mueller e Oppenheimer, parece inevitável.
Em outras palavras, quer haja prejuízos (ou ganhos) com a perda de prestígio da caneta, poderemos não ter escolha a não ser aceitá-la. Então por que não abraçar a mudança?
"Se você olhar para a história da escrita e olhar para a história da tecnologia, sempre ocorreu perda com a mudança", Trubek disse a Dubner. "Ocorreram perdas imensas quando a impressão foi desenvolvida. (...) Nós perdemos aquelas mentes incríveis das culturas orais. Mas ganhamos algo realmente significativo, que é a escrita e a história e todas as coisas que vêm com isso. Então meu ponto é que realmente, sim, é triste e é uma perda, mas a perda faz parte da mudança e as coisas mudarão, mas tudo ficará bem."
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