Criança deve evitar eletrônicos até 12 anos de idade, afirma educador
Elas são
educadas em um vácuo preenchido pela tecnologia, diz ex-economista do Pnud. Para ele,
famílias atualmente estão cansadas demais para se preocupar com a educação dos
filhos.
Por THAIS
BILENKY - Folha de S. Paulo - 14/09/2014
Tablets
são uma péssima maneira que os pais acharam para ocupar as crianças, diz Flávio
Comim, 48, ex-economista sênior do Pnud (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento).
Para ele,
o ideal é que as crianças evitem os eletrônicos até os 12 anos. "O uso
excessivo de aparelhos eletrônicos limita as conexões neurais. As crianças não
pensam aberto, mas dentro da caixa."
Economista,
ele é um dos coordenadores do Círculo da Matemática, projeto nascido em Harvard
há 20 anos. Leia a seguir a entrevista.
Folha -
Como pais podem ajudar os filhos na escola?
Flávio
Comim - Os
pais devem se importar com os estudos dos filhos. As crianças não aprendem com
discurso, mas sim com a prática. Você briga com seu filho por causa de uma nota
ruim e, quando ele vem mostrar algo que aprendeu, você diz "bonito, agora
vamos ver televisão". Os pais têm de ser coerentes.
O efeito
família é superior ao efeito escola na explicação do desempenho das crianças.
Professores não conseguem mudar a realidade que o aluno vive em casa. Há muito
que os pais podem fazer: ler um livro, brincar juntos, criar rotina. Isso dá
segurança à criança ir bem na escola. Mas é preciso regras, punições
consistentes.
Que tipo
de punição?
As
maneiras mais modernas de punir estimulam a reflexão das crianças, como na
ideia de minutos. Você reconhece que aquilo que a criança fez não está certo e
dá um tempo para ela pensar. Mas sempre com afeto. As famílias parecem estar
cansadas demais para se preocupar com o mundo dos filhos --os pais terceirizam
para a escola a educação dos filhos e esta devolve para os pais. As crianças
são educadas em um vácuo que que tem sido preenchido pela tecnologia.
Isso é
ruim?
É
péssimo. iPad e tablets são a maneira que os pais de classe média encontraram
para ver as crianças ocupadas. Um superestímulo virtual pode levar também a
problemas de comportamento, como à busca por satisfação imediata em tudo. O uso
excessivo de aparelhos eletrônicos limita as conexões neurais. As crianças não
pensam aberto, mas dentro da caixa, naqueles parâmetros que são dados. As
sociedades médicas na Inglaterra e nos EUA recomendam que, pelo menos até os 12
anos, crianças não usem muitos eletrônicos. Os pais, talvez no intuito de
ajudar e maravilhados em ver os filhos operando esses aparelhos, se rendem,
indefesos, a todo tipo de tecnologia. Os problemas vêm depois.
Livros e
brinquedos nessa fase são mais recomendáveis?
Sim, se
receber os estímulos certos, uma criança pode começar a ler aos quatro ou cinco
anos. Do contrário, ela pode ter a mobilidade prejudicada ou enfrentar
dificuldades para diferenciar cores.
E o
aspecto lúdico?
Ninguém
tem excelência se não faz algo com um pouco de prazer. O problema é que muitos
pais têm um nível educacional limitado. Dizem às suas crianças "matemática
é difícil mesmo", dando uma autorização tácita para o seu desinteresse e
desengajamento. Esses mesmos pais precisam de apoio.
Talvez o
maior desafio na nossa educação hoje seja a humanização das relações entre
professores e alunos e entre professores e pais. As escolas precisam criar
vivências que aproximem as pessoas, não apenas reuniões para reclamar das
crianças.
Como
fazer isso?
Cito o projeto Círculo da Matemática, em que se
diz que "pequenas ações dão grandes resultados": chamar os alunos
pelo nome ou registrar no quadro uma resposta errada ou elogiar não o aluno,
mas suas respostas são ações de gestão de sala de aula que promovem a inclusão.
O fundamental é ter respeito ao aluno como um ser inteligente. Vários
professores perdem esse respeito em condições hostis de sala de aula, o que
leva ao embrutecimento das relações. O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica; o índice mais recente mostrou que o aluno perde rendimento com o tempo) reforça a necessidade de aumentar os recursos para educação?
Sim. Não sei por que nos espantamos com esses resultados, quando temos professores mal pagos, alunos com poucas horas de aula por dia, uma infraestrutura escolar inadequada, um alto nível de disfuncionalidade nas escolas. Precisamos financiar mais tempo e mudar uma cultura conteudista nas escolas. Mais importante: ainda não entramos na discussão central para nosso futuro que educar não é somente transmitir conhecimento aos alunos, mas estimular sua inteligência (cognitiva, emocional e cidadã).
O Brasil precisa aumentar os recursos para educação, ou basta melhorar a gestão?
O Brasil investe entre 5,6% e 5,8% do PIB em educação. A França gasta 5,68%, a Finlândia 6,76%, a Espanha quase 5%. Alguns cometem a falácia de dizer que, por isso, não precisamos aumentar os recursos, que o mais importante é gastar o que temos de forma eficiente. Esses países têm metade da população brasileira de 5 a 9 anos. Então, por uma conta simples, a gente precisaria investir o dobro.
Por que os gastos são tão menores no Brasil?
A gente não quer mudar o sistema educacional. Se quisesse, já teria mudado. Muitas crianças estão em escolas péssimas. Aceitamos com naturalidade a desigualdade no nosso sistema educacional.
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