Os cursos de Comunicação Social deveriam formar educadores

 
Responsabilidade social ou Marketing Social: educação como componente da comunicação

Este é um post de 2016! Mas acredito muito que ainda vale hoje, talvez mais de quando foi publicado. Nas escolas de comunicação, me vejo na obrigação de dar continuidade a essa conversa fiada dos tais "80% das profissões (ou outro número grande, depende do alarmista) que serão relevantes nas próximas décadas ainda não foram inventadas!". Aí, que saco! Como se esses estudantes precisassem de mais pressão, tem sempre alguém para se bancar o moderninho futurista, com prazer sádico de jogar um balde de água fria como quem diz "ninguém sabe o futuro de vocês" (risada de vilão ao fundo....). 

Acredito que a tarefa mais importante de um professor nem é transmitir conteúdo. Isso, vamos combinar, o Google já faz melhor. Nós temos é que transmitir confiança, tanto de qual conteúdo é relevante e qual ele vai realmente precisar, mas ainda mais de que pode acreditar na importância do que estamos fazendo naquele instante para a sua vida. Então, meu concorrente não são plataformas de busca (aliás, são minhas parceiras), mas a depressão das redes sociais, jogando essa rapaziada sempre para baixo, como se não houvesse um amanhã. Conversa: sempre haverá, algumas vezes mais fácil, outras mais duras. Mas se as revoluções tecnológicas nos ensinaram alguma coisa é que, de fato, Lavoisier, nada se cria, tudo se transforma e até que a Inteligência Artificial nos domine, a transformação continuará passando pelas nossas mãos. Posso estar sendo romântico, mas me coloco na missão de levantar a bola dessa turma e isso me obrigada a cada vez pesquisar, a exercitar uma imaginação sociológica ou mesmo fazer puras apostas. Tudo isso para dizer para eles que, sim, há futuro, e que podemos, juntos, descobrir quais serão os caminhos reformatados. 

Nesse sentido, nada mais lógico (para mim, como educador, é claro), pensar que o Comunicador deve extravazar dois desejos incultos que, de alguma forma, o levaram para essa área. O primeiro é o de ser psicólogo, entrar na mente das pessoas e exercitar algum tipo de sedução. O segundo, de ser um educador, de pegar pela mão e ensinar alguma coisa para aquele sujeito. Uma das muitas lições que a pandemia nos tem ensinado que alguém precisa educar as pessoas sobre o que é informação, a sua importância, comoO texto, portanto, trata-se desta segunda vertente inconsciente. Acredito que vale a pena pensarmos nisso, sermos educadores.  Uma das muitas lições que a pandemia nos tem ensinado que alguém precisa educar as pessoas sobre o que é informação, a sua importância, como é um direito (quando não, um dever), mas também uma arma poderosa e afiada, que machuca os outros quando mal utilizada, mesmo com a melhor das intenções. E que, se existem deuses que nos deram alguma coisa de importância, a comunicação é o melhor dos presentes, mas também a mais cruel das tentações.

Nos comunicadores devemos ser educadores? Não foram poucas vezes que cobramos, nós, comunicadores que estudam educação, que os cursos de pedagogia e formadores de professores coloquem efetivamente nos seus currículos o estudo da mídia e da comunicação, não só de forma instrumental (embora nem isso se aplica), mas também na construção de uma visão crítica e de letramento. No entanto, os currículos dos cursos de comunicação também não deveriam ter componentes de educação? Em uma sociedade da informação, não é inegável que os profissionais de comunicação são altamente responsáveis pela educação de sua audiência e seus sujeitos? Mas estamos preparando jornalistas, publicitários, relações públicas, radialistas e cineastas para essa responsabilidade, a de entender e administrar de forma ética e responsável seu enorme potencial educativo? Bem, acho que a resposta é um retumbante não.

Confesso que há tempos não pensava nisso. Fui despertado ao participar de um evento onde pesquisadores espanhóis fizeram um levantamento sobre as grades curriculares dos cursos de comunicação de seu país e viram que a educação midiática era solenemente ignorada. É certo que o mesmo acontece no Brasil. Nem precisava, mas o trabalho dos pesquisadores Fernando Tucho, Ariadna Fernandez Planells e María Lozano Lozano ("La presencia de la Educación Mediática en los estudios universitarios de comunicación en España"), justifica o estudo ao afirmar que educação para as mídias não é uma epifania de alguns professores antenados, mas uma necessidade apontada por instituições internacionais como a ONU, Unesco e Comissão Europeia.

Quantos cursos de comunicação têm disciplinas que abordam a educação como uma das mais - se não a mais - importante faceta das atividades do comunicador? De que adianta cobrarmos de nossos professores que agreguem a comunicação em seu cotidiano pedagógico e didático se, pelo nosso lado, não ensinamos ao nosso graduando a sua responsabilidade na educação que a comunicação pode proporcionar?

Seria até salutar para as suas atividades técnicas entender e aprender como as pessoas aprendem, porque elas aprendem e como o ser humano é esse sujeito de aprendizagem, que tem entre suas principais motivações a capacidade e a necessidade inata de querer saber, conhecer e extrapolar o que sabe. A busca do conhecimento, a informação transformada em sentido humano, nos é inerente e conhecer seu mecanismo seria também útil para o profissional que quer informar, manter ou mudar comportamentos, seduzir e encantar, enfim, estabelecer conexões humanas e sociais, objetivos dos profissionais de comunicação.

A pesquisa dos espanhóis, realizada também na entrevista com coordenadores de cursos, revela que uma das justificativas é que a educação é um tema "transversal". É a típica resposta cínica, da não resposta, algo como "ah, para nós é tão importante que está em todas as disciplinas, de alguma maneira". Mas, quando raramente isso é verdade, fica tão diluída que não tem gosto nenhum e não aparece no cardápio da aprendizagem do futuro profissional. A educação, nesse caso, não está sozinha. Temas como direitos humanos, diversidades social, cultural e de gênero, políticas públicas de comunicação, também costumam ser "temas transversais", ou seja, não há um momento específico no curso para a sua abordagem e dependem muito mais de desejos de professores isolados.

Mas, por sorte, há também os alunos. O video que abre esse post é resultado de um TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) onde seus estudantes acreditaram que tinham como objetivo construir um produto que pudesse ensinar às pessoas a diferença entre responsabilidade social e marketing social. Camila Torres de Carvalho, Camile Rocha de Melo e Gleidistone Antônio da Silva, sob a orientação da Profa. Júnia Carvalhar Rodrigues, do curso de Publicidade e Propaganda do Centro Universitário UNA, fizeram um ótimo produto audiovisual que bem que podia servir como ferramenta pedagógica.


Projeto de TCC que acredita na educação como inclusão social dos idosos pela tecnologia bancária

Outros que também se viram chamados pela educação foram meus alunos Karine Geoffoy Netto da Silva, Larissa Fernanda de Almeida, Paulo César Soares de Jesus e Rafael Augusto de Figueiredo Silva, ao estudarem sobre as enormes dificuldades dos idosos com a tecnologia bancária. Concluíram que a solução também passa pela educação. Sim, educação dos idosos, apropriada às suas necessidades, capacidades e histórico social, no sentido de integrá-los novamente, fazer inclusão social o que, afinal, é o objetivo de toda boa educação. Descobriram que essa é uma demanda dos próprios idosos, que querem aprender sobre a tecnologia, que querem participar e ter autonomia, mas têm grandes dificuldades de quem os ensine. Se os bancos querem tê-los como clientes (e cada vez mais irão tê-los, querendo ou não), é melhor se preocuparem com isso, e não apenas em fazer comerciais simpáticos. 

Outro exemplo, acontecido depois da publicação deste post, foi da turma formada pelos então graduando em Publicidade e Propaganda Jéssica Cristina Santos, Luan Guedes Pinto, Michel Alexander Silva, Thais Lohane Cury e Wellington Rodrigues Silva, que desenvolveram o lindo projeto 'Vence o jogo quem se liga com o mundo: as crianças na interação entre a realidade e o virtual' Conversaram com pais, mas principalmente com as crianças para entender a relevância do uso de tecnologias como instrumento para o estabelecimento de suas próprias relações sociais. E, a partir daí, desenvolveram uma campanha para destacar como essas relações podem ser positivas. Chegaram a realizar oficinas com Lobinhos (que os Escoteiros com menos de 11 anos) para, pois é, exercitar seus talentos e experiência como educadores.

Projeto de TCC para ajudar crianças a se relacionar com as TIC

Infelizmente, esses exemplos são pontos fora da curva, frutos muito mais de epifanias de alunos e professores do que uma recomendação acadêmica. Fico pensando se, uma vez capacitados por disciplinas específicas, se os novos profissionais da comunicação não poderiam dar contribuições ainda maiores para a educação depauperada de nosso país, auxiliando aos educadores a construir um contexto onde a mídia e as ferramentas comunicacionais fizessem parte da construção de uma cidadania mais plena.

Sem falar na abertura de outras oportunidades de empregabilidade ao novo profissional. Afinal, o mercado poderia contar com um sujeito interdisciplinar, e em áreas chaves na sociedade da informação.

Para isso, seria preciso que a educação deixasse de ser um tema "transversal" nos currículos de formação de comunicadores, para estar presente na grade como um conteúdo da importância que merece e que a sociedade demanda.

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